“Eu não sabia dizer por quê, mas naquela hora me pareceu que ele era mais feliz que a maioria das pessoas.”
Fiquei um tempinho pensando se deveria começar a indicação contando algum tipo de premissa do livro. Sabe aquela coisa de contar onde o livro se passa, como o protagonista chegou lá, qual, aparentemente, é a intenção dele...? Então, esse tipo de coisa. Pode não ser má ideia pra vários outros livros. Mas acho que não é o caso. Não que seja difícil, porém me convenci que não é o melhor a se fazer. E vou dizer por que:
A história pode parecer simples demais. Ou dar a impressão que não acontece muita coisa. Talvez soe meio chato. Quem sabe até não crie interesse em ninguém. Mas principalmente, é porque não seria capaz de abranger o que o livro trata.
Não acho muito certo, também, fazer como aquelas orelhas de livro que servem pra marcar as páginas que costumam dizer que tal obra é sobre tal e tal coisa. Pra mim isso estraga um pouco a leitura. A gente já lê querendo achar no texto onde pode estar o tal significado que disseram ter naquele livro sem nem nos darem um spoiler alert.
Com isso dito, acho tudo bem dar uma ideia do que o romance trata:
Um tempo depois de se formar em Letras, Ciro resolve alugar um apartamento vazio no centro de Porto Alegre e morar sozinho.
Eu disse que era simples. Mas tem mais. Ele conhece uma modelo chamada Marcela que entra na sua vida meio a contragosto. Ele tem uma relação com seu cachorro que é quase uma interdependência não assumida. Seu estômago lhe causa dores quase insuportáveis regularmente. O porteiro do seu prédio o fascina com suas pinturas e conversas. Um motoboy vira seu amigo de uma forma inusitada.
Ciro é quem narra a história, o que nos torna mais próximos dele. Não logo de cara, ele vai nos contando o que aconteceu na sua vida nesse período indeciso após receber seu diploma. Indeciso e confuso. Melhor: indeciso, confuso e frustrante. Um momento de encarar que uma fase da sua vida acabou e que é hora de outra começar. Quando as dúvidas costumam existir em maior quantidade do que admitimos.
Ele tenta se isolar do mundo não tendo telefone e mantendo pouco contado com a família. Às vezes ele é meio bruto, mas, quando precisa, é um cara legal. Faz planos de largar tudo, de se virar. Mas sempre precisa recorrer ao pai pra pagar as contas. No entanto, ainda carrega consigo uma arrogância à la Bandini de que está sempre certo e compreende o mundo.
A intenção até poderia ser ficar sozinho. Não ser incomodado. Talvez até pra por a cabeça no lugar. Porém sua vida vai precisando ser remanejada de improviso conforme as coisas vão acontecendo. Parece não entender muito do que se trata e sua autoconfiança é abalada. Mas há momentos que percebe que não está realmente se queixando da situação.
O livro dialoga diretamente com uma geração mais jovem brasileira. É fácil se identificar com os pensamentos e os trejeitos do protagonista. A narrativa flui rapidamente e partilhamos com Ciro de suas preocupações e pensamentos. De certa forma, fazemos o papel do cão. Andamos pela rua, como se não tivéssemos dono, observando. Mas sempre acabamos por arranhar a porta da frente para que ele a abra e nos dê abrigo. E é só depois que morremos, que acabamos o livro, é que o deixamos livre pra lembrar de seus sonhos.
Um trecho pra vocês:
“Acendi um cigarro, sentei no chão do quarto e fiquei observando a Marcela dormir, o rosto avermelhado, a boca expelindo um hálito de garganta inflamada. Tão oposta à figura daquele anúncio. Por um instante, imaginei como seria se ela viesse morar comigo, mas rejeitei a ideia rapidamente. Mesmo com as visitas ocasionais, era comum eu acordar perto do meio-dia depois de uma noite de inteira de fodelança e desejar profundamente que ela não estivesse do meu lado, dormindo na minha cama. Não é que eu não gostasse dela. Eu gostava, até demais. Mas a ideia de que pudéssemos ter um relacionamento, como se diz, me causava repulsa. (...) Com os pais em Caxias do Sul, em Porto Alegre ela só tinha a mim pra pedir apoio. Eu não tinha certeza se essa ideia me agradava. Mas desisti de pensar nessas coisas, apaguei as luzes do apartamento e me deitei ao lado dela. No momento eu tinha alguém pra proteger, e isso era novo.”
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