Pois muito bem.
Tenho um carinho muito especial pela obra Os Miseráveis, clássico universal da literatura, assinado pelo excelente Victor Hugo. Li pela primeira vez a obra quando era mais novo: todos iam à sessão infantil da biblioteca e eu não: decidi atravessar o saguão e Os Miseráveis me chamou a atenção. 1500 páginas numa capa branca, a coisa mais linda do mundo. Peguei, sentei e comecei. Me lembro muito bem de como me tornei um leitor, digo, um daqueles bestas que amam leitura, quase vão a falência quando entram numa livraria; sou daqueles que as pessoas nem perguntam mais o que eu quero de presente, e sim o título dele.
Li já duas vezes a fantástica história, e sim é um dos meus livros favoritos. Aliás, é o primeiro livro da série Imperdíveis do Aion a ganhar uma resenha; tenho medo de resenhá-los e não falar com profundidade sobre os motivos que me fazem amá-los tanto.
Bem, decidi fazer de Os Miseráveis por dois motivos: primeiro, vi o musical de Tom Hooper, em cartaz nos cinemas e estou relendo o livro (agora em cinco volumes), decidi então que ele merecia uma indicação. E espero que ao final desta resenha você corra atrás do volumes sem conseguir se controlar.
Os Miseráveis é um romance épico, que narra a jornada de Jean Valjean, do qual você já gosta logo de cara. Ele é o personagem mais profundo e íntegro que a literatura já apresentou ao mundo. Condenado a 19 anos de trabalhos forçados nas galés da França por roubar um pão (cinco pelo roubo, o restante pelas tentativas de fuga), era um homem e tornou-se outro, amargo com a vida, com ódio do mundo. Sua profundidade e a profundida da narração de Hugo é algo que irei comentar mais pra frente.
Jean Valjean foi libertado ao fim de sua pena, mas possui um passaporte amarelo, o que deixa claro que ele é um homem muito perigoso. Pra quem não conhece a história, ela se passa na Franca dos anos 1800, com todas as referências da época (e sem nenhum tipo de didatismo) o que torna a obra ainda mais maravilhosa.
Depois de uma fracassada busca por trabalho, Valjean, exausto e faminto, consegue abrigo na casa de um bispo, que lhe recebe. Aquele homem, no entanto, com raiva do mundo, não se deixa compadecer da atitude do bispo e rouba a prataria do homem. Pego pela polícia durante sua fuga, Valjean é surpreendido por uma atitude nobre do bispo: ele diz aos policiais que deu a prataria a Valjean e este é solto.
Os dois conversam, e o bispo diz que com aquela prataria pretendeu comprar a alma de Jean para o bem. E estava certo. Aí começa a primeira passagem de tempo do livro, somos levados de 1815 para 1832, na cidadezinha de Montreiul-sul-mer, lá conhecemos o drama de Fantine, sua filha e o velho prefeito da cidade, o senhor Madeleine.
Fantine é uma jovem e bonita dama que esconde um segredo: é mãe solteira e precisa trabalhar para sustentar sua filha. Ela é contratada da fábrica de Madeleine, foi enganada e Sua pequena filha, Cosette, é entregue aos cuidados de um casal estalajadeiro em Toulon, depois que Fantine é abandonada pelo pai da menina. Ela paga para que eles cuidem bem da menina, mas isso não acontece: o casal Thenárdier abusa da garota e a tem como uma espécie de escrava, uma empregada. No entanto, continuam a extorquir mais e mais dinheiro de Fantine, mandando-lhe cartas mentirosas, dizendo-lhes que a saúde da criança é frágil e que ela precisa constantemente de médicos.
Aqui, a história ganha um novo contorno, com a aparição do grande anti-herói da história, (não vou usar o termo vilão, porque meus sentimentos por este personagem são dúbios) Javert. Javert é um inspetor obstinado pelo serviço, e inclusive era ele o guarda das galés de Jean Valjean, aquele de quem eu falei lá no inicio. Por algum motivo curioso, a presença de Javert perturba o velho Madeleine.
Madeleine é o exemplo maior de bondade em um homem só, e há uma preocupação excessiva de Victor Hugo em deixar isso claro. Há! Obviamente, todo mundo já sabe que Madeleine é Jean Valjean, no entanto a maneira como Victor Hugo trabalha essa nova identidade do seu personagem principal é simplesmente fantástica (e isto na primeira parte dos 5 volumes).
Num belo (ou não) dia, Fantine acaba demitida da fábrica de Madeleine, e os destinos dela com o de Madeleine acabam se cruzando: o prefeito sente-se culpado e decide ajudá-la, resgatando a pequena Cosette. Além disso, a presença de Javert, obstinado em encontrar o fugitivo Jean Valjean deixa Madeleine cada vez mais nervoso. O ápice da primeira parte do romance é quando Javert acaba confundido outro homem com Jean Valjean, e Madeleine decide assumir a culpa de seus atos.
O gancho para os outros 4 volumes (e diga-se de passagem fantásticos volumes) é a morte de Fantine, o drama dela que nos sensibiliza, e a fuga de Valjean para Paris, junto com a filha de Fantine. Esses elementos tornam a narrativa eletrizante: no segundo volume Javert está cada vez mais determinado a colocar Jean Valjean de novo na cadeia, no entanto – e nós torcemos pra isso – ele nunca consegue.
Nova passagem de tempo, e agora somos levados ao ano de 1832: Valjean vive em Paris, com sua filha Cosette, e ela acaba se apaixonando por Marius Pontmercy, um jovem rapaz idealista, contrário ao regime da França, e junto com os amigos revolucionários do ABC Café, decidem montar uma barricada para instaurar a república.
A construção épica da história a partir daqui surpreende, e é aqui também que eu paro de contar sobre o enredo; mesmo eu tendo falado um monte, entreguei só a sinopse de uma história simplesmente fantástica.
É importante falar de outros elementos do livro, como o já referido personagem central Jean Valjean, meu personagem favorito em toda a literatura. Ele é íntegro, justo, correto, sofreu como o diabo e aprendeu a ser um homem melhor; age sempre pensando nos outros antes de si mesmo. É simplesmente uma pessoa maravilhosa e não quero continuar lhe dando mais adjetivos, quero que você leia o livro e entenda porque Jean Valjean é cara por quem você vai torcer por todo o livro.
Fantine e o seu drama pessoal podem vir a arrancar lágrimas dos mais sensíveis, ela é aquela mãe clichêzona que faz tudo pela filha, mesmo sem se dar conta de que deixou a menina nas mãos do desprezível casal Thenárdier.
Javert é o grande anti-herói da história: ele é quem persegue Valjean. Gosto de classificar ele como o herói de sua própria história; para ele, um homem perigoso como Valjean, preso por roubar pão, não pode estar à solta no mundo e o inspetor defende sua posição de que a lei está acima de tudo e todos, custe isso o que custar – discussão interessantíssima, muito bem colocada na história.
A linguagem de Victor Hugo é simplesmente fantástica, ele sabe exatamente o que fazer com as 15000 páginas que dedica a este romance, e acredite, mesmo que o tamanho assuste, você vai acabar lendo ele em menos de uma semana. Apostas?
O autor faz um trabalho fantástico por todo o livro, surpreende, trabalha todos os temas com profundidade, vai fazendo suspense e levando o leitor de ponta a ponta, quase que sem escapatória a não ser virar a próxima página, e a próxima, e a próxima...
Vale muito a pena ler, eu garanto, o romance vendeu que nem banana na época do lançamento, e não é difícil entender por que: o barato é do bom.
Ah, e meu comentário especial sobre o título: Os Miseráveis, além de se referir obviamente à pobreza de seus personagens, também se refere ao fato de todos eles serem “Miseráveis”, pobres de espírito, e obviamente Victor Hugo problematiza isso ao longo do romance.
O musical de Tom Hooper é muito bom, dentre as várias adaptações do romance é uma das melhores, mas eu também quero destacar o filme de 1998 de Billie August, com Liam Neeson no papel de Jean Valjean, Uma Thurman vivendo Fantine e Geofrey Rush como Javert. O filme trabalha o romance quase com a mesma profundidade do livro de Victor Hugo – sim, tão maravilhoso quanto.
“Sem dúvida o leitor já adivinhou que Madeleine não era outro senão Jean Valjean. Já deitamos um olhar para as profundidades daquela consciência; é, todavia chegada nova ocasião de lançar lhes outro olhar.
Não o fazemos, porém, sem emoção e estremecimento, porque não há nada mais aterrador do que esta espécie de contemplação. O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita. Há mais solene espetáculo do que o mar, é o céu, e há mais solene espetáculo do que o céu, é o interior da alma.
Fazer o poema da consciência humana, ainda que não fosse senão a respeito de um só homem, e ainda dos homens o mais ínfimo, seria fundir as epopeias numa epopeia superior e definitiva. A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o caminho dos sonhos, o anto das ideias vergonhosas, é o pandemônio dos sofismas, é o campo de batalha das paixões, penetre a certas horas, através da face lívida de um ser humano, e olhem para trás dela, olhem nessa alma, olhem nessa obscuridade. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigantes, como em Homero, brigas de dragões e hidras e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante. Sombria coisa esse infinito que todo homem em si abarca, e pelo qual ele regula desesperado as vontades do seu cérebro e as ações de sua vida!
Alighieri encontrou um dia uma porta sinistra, em frente à qual estacou vacilante. Eis-nos também defrontados com outra, em cujo limiar hesitamos. Entremos, porém”.
Indicação do Aion
[chega de chegar, depressa é muito devagar]
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