sexta-feira, 1 de março de 2013

Os Miseráveis - Victor Hugo


“Who am I? I’m Jean Valjean!”

Pois muito bem.

Tenho um carinho muito especial pela obra Os Miseráveis, clássico universal da literatura, assinado pelo excelente Victor Hugo. Li pela primeira vez a obra quando era mais novo: todos iam à sessão infantil da biblioteca e eu não: decidi atravessar o saguão e Os Miseráveis me chamou a atenção. 1500 páginas numa capa branca, a coisa mais linda do mundo. Peguei, sentei e comecei. Me lembro muito bem de como me tornei um leitor, digo, um daqueles bestas que amam leitura, quase vão a falência quando entram numa livraria; sou daqueles que as pessoas nem perguntam mais o que eu quero de presente, e sim o título dele.

Li já duas vezes a fantástica história, e sim é um dos meus livros favoritos. Aliás, é o primeiro livro da série Imperdíveis do Aion a ganhar uma resenha; tenho medo de resenhá-los e não falar com profundidade sobre os motivos que me fazem amá-los tanto.
Bem, decidi fazer de Os Miseráveis por dois motivos: primeiro, vi o musical de Tom Hooper, em cartaz nos cinemas e estou relendo o livro (agora em cinco volumes), decidi então que ele merecia uma indicação. E espero que ao final desta resenha você corra atrás do volumes sem conseguir se controlar.

Os Miseráveis é um romance épico, que narra a jornada de Jean Valjean, do qual você já gosta logo de cara. Ele é o personagem mais profundo e íntegro que a literatura já apresentou ao mundo. Condenado a 19 anos de trabalhos forçados nas galés da França por roubar um pão (cinco pelo roubo, o restante pelas tentativas de fuga), era um homem e tornou-se outro, amargo com a vida, com ódio do mundo. Sua profundidade e a profundida da narração de Hugo é algo que irei comentar mais pra frente.

Jean Valjean foi libertado ao fim de sua pena, mas possui um passaporte amarelo, o que deixa claro que ele é um homem muito perigoso. Pra quem não conhece a história, ela se passa na Franca dos anos 1800, com todas as referências da época (e sem nenhum tipo de didatismo) o que torna a obra ainda mais maravilhosa.
Depois de uma fracassada busca por trabalho, Valjean, exausto e faminto, consegue abrigo na casa de um bispo, que lhe recebe. Aquele homem, no entanto, com raiva do mundo, não se deixa compadecer da atitude do bispo e rouba a prataria do homem. Pego pela polícia durante sua fuga, Valjean é surpreendido por uma atitude nobre do bispo: ele diz aos policiais que deu a prataria a Valjean e este é solto.

Os dois conversam, e o bispo diz que com aquela prataria pretendeu comprar a alma de Jean para o bem. E estava certo. Aí começa a primeira passagem de tempo do livro, somos levados de 1815 para 1832, na cidadezinha de Montreiul-sul-mer, lá conhecemos o drama de Fantine, sua filha e o velho prefeito da cidade, o senhor Madeleine.

Fantine é uma jovem e bonita dama que esconde um segredo: é mãe solteira e precisa trabalhar para sustentar sua filha. Ela é contratada da fábrica de Madeleine, foi enganada e Sua pequena filha, Cosette, é entregue aos cuidados de um casal estalajadeiro em Toulon, depois que Fantine é abandonada pelo pai da menina. Ela paga para que eles cuidem bem da menina, mas isso não acontece: o casal Thenárdier abusa da garota e a tem como uma espécie de escrava, uma empregada. No entanto, continuam a extorquir mais e mais dinheiro de Fantine, mandando-lhe cartas mentirosas, dizendo-lhes que a saúde da criança é frágil e que ela precisa constantemente de médicos.

Aqui, a história ganha um novo contorno, com a aparição do grande anti-herói da história, (não vou usar o termo vilão, porque meus sentimentos por este personagem são dúbios) Javert. Javert é um inspetor obstinado pelo serviço, e inclusive era ele o guarda das galés de Jean Valjean, aquele de quem eu falei lá no inicio. Por algum motivo curioso, a presença de Javert perturba o velho Madeleine.

Madeleine é o exemplo maior de bondade em um homem só, e há uma preocupação excessiva de Victor Hugo em deixar isso claro. Há! Obviamente, todo mundo já sabe que Madeleine é Jean Valjean, no entanto a maneira como Victor Hugo trabalha essa nova identidade do seu personagem principal é simplesmente fantástica (e isto na primeira parte dos 5 volumes).
Num belo (ou não) dia, Fantine acaba demitida da fábrica de Madeleine, e os destinos dela com o de Madeleine acabam se cruzando: o prefeito sente-se culpado e decide ajudá-la, resgatando a pequena Cosette. Além disso, a presença de Javert, obstinado em encontrar o fugitivo Jean Valjean deixa Madeleine cada vez mais nervoso. O ápice da primeira parte do romance é quando Javert acaba confundido outro homem com Jean Valjean, e Madeleine decide assumir a culpa de seus atos.

O gancho para os outros 4 volumes (e diga-se de passagem fantásticos volumes) é a morte de Fantine, o drama dela que nos sensibiliza, e a fuga de Valjean para Paris, junto com a filha de Fantine. Esses elementos tornam a narrativa eletrizante: no segundo volume Javert está cada vez mais determinado a colocar Jean Valjean de novo na cadeia, no entanto – e nós torcemos pra isso – ele nunca consegue.

Nova passagem de tempo, e agora somos levados ao ano de 1832: Valjean vive em Paris, com sua filha Cosette, e ela acaba se apaixonando por Marius Pontmercy, um jovem rapaz idealista, contrário ao regime da França, e junto com os amigos revolucionários do ABC Café, decidem montar uma barricada para instaurar a república.

A construção épica da história a partir daqui surpreende, e é aqui também que eu paro de contar sobre o enredo; mesmo eu tendo falado um monte, entreguei só a sinopse de uma história simplesmente fantástica.

É importante falar de outros elementos do livro, como o já referido personagem central Jean Valjean, meu personagem favorito em toda a literatura. Ele é íntegro, justo, correto, sofreu como o diabo e aprendeu a ser um homem melhor; age sempre pensando nos outros antes de si mesmo. É simplesmente uma pessoa maravilhosa e não quero continuar lhe dando mais adjetivos, quero que você leia o livro e entenda porque Jean Valjean é cara por quem você vai torcer por todo o livro.
Fantine e o seu drama pessoal podem vir a arrancar lágrimas dos mais sensíveis, ela é aquela mãe clichêzona que faz tudo pela filha, mesmo sem se dar conta de que deixou a menina nas mãos do desprezível casal Thenárdier.

Javert é o grande anti-herói da história: ele é quem persegue Valjean. Gosto de classificar ele como o herói de sua própria história; para ele, um homem perigoso como Valjean, preso por roubar pão, não pode estar à solta no mundo e o inspetor defende sua posição de que a lei está acima de tudo e todos, custe isso o que custar – discussão interessantíssima, muito bem colocada na história.

A linguagem de Victor Hugo é simplesmente fantástica, ele sabe exatamente o que fazer com as 15000 páginas que dedica a este romance, e acredite, mesmo que o tamanho assuste, você vai acabar lendo ele em menos de uma semana. Apostas?

O autor faz um trabalho fantástico por todo o livro, surpreende, trabalha todos os temas com profundidade, vai fazendo suspense e levando o leitor de ponta a ponta, quase que sem escapatória a não ser virar a próxima página, e a próxima, e a próxima...
Vale muito a pena ler, eu garanto, o romance vendeu que nem banana na época do lançamento, e não é difícil entender por que: o barato é do bom.

Ah, e meu comentário especial sobre o título: Os Miseráveis, além de se referir obviamente à pobreza de seus personagens, também se refere ao fato de todos eles serem “Miseráveis”, pobres de espírito, e obviamente Victor Hugo problematiza isso ao longo do romance.

O musical de Tom Hooper é muito bom, dentre as várias adaptações do romance é uma das melhores, mas eu também quero destacar o filme de 1998 de Billie August, com Liam Neeson no papel de Jean Valjean, Uma Thurman vivendo Fantine e Geofrey Rush como Javert. O filme trabalha o romance quase com a mesma profundidade do livro de Victor Hugo – sim, tão maravilhoso quanto.

“Sem dúvida o leitor já adivinhou que Madeleine não era outro senão Jean Valjean. Já deitamos um olhar para as profundidades daquela consciência; é, todavia chegada nova ocasião de lançar lhes outro olhar.
Não o fazemos, porém, sem emoção e estremecimento, porque não há nada mais aterrador do que esta espécie de contemplação. O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita. Há mais solene espetáculo do que o mar, é o céu, e há mais solene espetáculo do que o céu, é o interior da alma.
Fazer o poema da consciência humana, ainda que não fosse senão a respeito de um só homem, e ainda dos homens o mais ínfimo, seria fundir as epopeias numa epopeia superior e definitiva. A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o caminho dos sonhos, o anto das ideias vergonhosas, é o pandemônio dos sofismas, é o campo de batalha das paixões, penetre a certas horas, através da face lívida de um ser humano, e olhem para trás dela, olhem nessa alma, olhem nessa obscuridade. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigantes, como em Homero, brigas de dragões e hidras e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante. Sombria coisa esse infinito que todo homem em si abarca, e pelo qual ele regula desesperado as vontades do seu cérebro e as ações de sua vida!
Alighieri encontrou um dia uma porta sinistra, em frente à qual estacou vacilante. Eis-nos também defrontados com outra, em cujo limiar hesitamos. Entremos, porém”.

Indicação do Aion
[chega de chegar, depressa é muito devagar]

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