Todos conhecemos Orwell. Seus livros mais famosos tiveram repercussão mundial, se introduziram em nosso vocabulário, em nossas aulas de história... enfim, de 1984 e Revolução dos Bichos, entre outros, já conhecemos quase tudo. Mas não é da faceta romancista de nosso escritor inglês que vou tratar: "Como Morrem os Pobres" é uma demonstração de seu talento como cronista/contista.
A edição que tenho em mãos, da Companhia das Letras, não deixa de estar dividida em alguns eixos: uma parte fala das experiências do autor em meio aos mendigos, andarilhos, colhedores de lúpulo (inclusive esses textos não foram assinados usando o pseudônimo George Orwell - e sim o nome verdadeiro dele, Eric Blair); outra são ensaios que tratam do emprego da linguagem e da honestidade intelectual; a última, de costumes ingleses e assuntos mais inconsequentes.
A primeira parte é minha favorita, pelo tema. Muitas pessoas gostam de usar o livro como um tampão, interpondo-o à "vida que acontece lá fora". Essa mania parnasiana não deixa de ser lamentável, e a praticamos de forma inconsciente. Por isso é muito interessante ter contato com outra realidade social por meio de crônicas como as de Orwell, que falam da realidade dos andarilhos ingleses. É apenas triste observar que lendo-as, temos a impressão de que a situação no Brasil atual é a mesma.
Da segunda parte pode-se dizer que é composta de ensaios. Há neles a defesa de uma linguagem mais concisa, menos empolada e burocrática - outro aspecto que infelizmente sobrevive. Muita coisa mudou dos anos 30 pra cá: entretanto, a tentação de parecer inteligente à custa da lógica e da compreensão (do que se diz) sobrevive.
A terceira é deliciosamente "fútil": fala de costumes ingleses como a preparação de um bom chá, como seria o pub ideal, sobre o esporte na Inglaterra (aqui vemos uma reflexão mais séria, acerca de como as competições esportivas acirram o nacionalismo). Contudo, não quero que pareça assim que o resto do livro é cansativo, ou algo assim: é sempre um prazer ver uma pessoa defender suas posições tão claramente como Orwell.
É nisso que consiste toda a admiração que as pessoas nutrem por ele: George (sintam a pretensa intimidade) não é um gênio de sua geração, não tem um estilo de escrita inovador ou algo assim. Ele simplesmente diz tudo (e mais um pouco) que gostaríamos de dizer também, sem a arrogância típica de grande parte dos ensaístas.
Enfim, quero ser George Orwell quando crescer.
"Em nosso tempo, o discurso e a escrita política são, em grande medida, a defesa do indefensável. Podem-se defender coisas como a continuação do domínio britânico na Índia, os expurgos e as deportações russas, as bombas atômicas jogadas sobre o Japão, mas somente com argumentos que são brutais demais para a maioria das pessoas e que não estão de acordo com os objetivos declarados dos partidos políticos. Desse modo, a linguagem política precisa constituir, em larga medida, em eufemismos, argumentos circulares e pura imprecisão nebulosa. (...) Mas, se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento. "
(Trecho do ensaio "A Política e a língua inglesa")
Indicado por Heloisa.
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