sexta-feira, 8 de março de 2013

Assassinato na biblioteca – Helena Gomes


“Mistério, suspense e anos de chumbo.”

Igor é um moleque desajustado. Seu pai morreu, a mãe está namorando um sujeito com o qual ele não simpatiza nem um pouco, ele reprovou de ano, viu todos os amigos irem para a série seguinte e ainda foi obrigado a trocar de cidade, tornando-se um cara isolado.
E numa bela manhã decide gazear aula na biblioteca.

Lara é uma jovem que vive nos anos 60, conhecemos sua história mais precisamente em 1968, quando, e espero que todo mundo saiba, anunciou-se o AI-5.

O gancho inicial desta deliciosa aventura assinada pela escritora Helena Gomes (desconhecida inclusive por mim que só li este livro da autora) é o assassinato da bibliotecária, justamente na manhã em que Igor está lá, no lugar errado e na hora errada. É nessa hora que os destinos de Igor e Lara se cruzam, como e por quê? Lara também fora assassinada naquela mesma biblioteca.

Igor começa uma busca incessante, não só por quem matou, mas porque a bibliotecária, inofensiva, teria sido assassinada, para isso, o jovem conta com a ajuda do fantasma de Lara, que se torna a única amiga de Igor, e a única pessoa com quem ele pode contar.

A história é muito bem construída nesse ponto, o fantasma, embora inverossímil, é a conexão da enredo que se preocupa em retratar os anos de chumbo, e mais, a morte da bibliotecária obviamente tem alguma coisa relacionada a isso. Todo esse enredo, em poucos capítulos construído, te prende a leitura, que flui com uma facilidade gigantesca, tem tudo que os bons livros de mistério precisam ter, tem suspense, reviravoltas, surpresas, pistas jogadas aos cantos, coisas que passam despercebidas, e que modificam o rumo dos acontecimentos, e o casamento mais que feliz de duas épocas diferentes.

O livro começa com Lara, correndo de alguém ou alguma coisa, nos tempos difíceis do AI-5. A autora é muito feliz ao apresentar a personagem, e mais feliz ainda ao ambientar a história num período tão conturbado da história recente brasileira. Lara tem 14 anos, não sabe direito o que está acontecendo, comenta consigo que o silêncio que sua família faz a respeito do Ato Institucional fala por si, ela sente-se acuada, perdida. Por coincidência do destino, muitos anos depois, o jovem Igor, de quem eu falei lá no inicio da resenha, vem a estudar na mesma escola de Lara.

A angústia de Lara é muito bem trabalhada no primeiro capítulo, os mistérios que envolvem a morte dela também. A personagem morre de maneira abrupta e o livro faz um salto no tempo, para assim explicar os acontecimentos seguintes. Igor, curioso, quer de todo o jeito encontrar o culpado pela morte da bibliotecária. Lara, fantasma, que ficou todo esse tempo na biblioteca decide ajudar o rapaz, e sim, um romance nada convencional surge ali.

Há na escola, todos os tipos de suspeitos. Igor não gosta do namorado da mãe Gustavo, não é querido por ninguém na escola, e a única pessoa que simpatizou com ele, a bibliotecária, apareceu morta na sua frente. O rapaz tem todos os motivos do mundo para surtar, mas com o apoio de Lara não o faz. O suspense se cria logo em seguida, quando Lara aos poucos vai lembrando-se das circunstâncias relacionadas a sua própria morte, tudo somado às pistas que Igor vai encontrando sobre o assassinato da bibliotecária, e estranhamente as duas mortes estão relacionadas. A ainda outra coisa bem trabalhada na história, o amor que Igor tem por Ciências, e a sua atenção exagerada aos detalhes. Pouco a pouco, ele começa a montar o quebra-cabeça.
O livro é indicado ao publico infanto-juvenil, mas, nós (mais velhinhos) também podemos ler, não é proibido e, diga-se de passagem, vale muitíssimo a pena e se engana quem diz: ah o livro não tem profundidade. Sim, ele flui facilmente, porque a escrita é de fácil entendimento, o que não significa que a técnica seja ruim, o livro é bem amarrado, a contextualização histórica atrelada aos mistérios do presente e do passado, tornam o livro fantasticamente bem escrito, da primeira a última página.

Não diria eu que é um mistério do nível de Agatha Christie, mas é um enredo bem construído, que faz uso de clichês ao seu favor, mesmo Igor sendo bem chato e insuportável ao longo de todo o livro, sua perspicácia e inteligência fazem com que compremos o seu drama, e quando nos damos conta já estamos até torcendo por ele e partilhando de suas opiniões.

Lara, uma espécie de coadjuvante na segunda parte do livro, é a verdadeira guerreira da história; é ela que dá os conselhos a Igor, é ela quem acredita no rapaz, mesmo quando ninguém mais acredita, o que acontece com frequência no decorrer da história, a paixão dos dois, embora completamente impossível é algo bem trabalhado, os dois jovens, separados por anos de distância, tem muitas coisas em comum, principalmente a solidão em que ambos se encontram, em certo momento da história a busca pelo assassino da bibliotecária se faz mais forte e necessária para que os dois fiquem mais tempo juntos.

Um último comentário: acho muito bacana, pensando em que se trata de um livro dedicado aos jovens, a preocupação da autora em apresentar um contexto histórico como a ditadura militar brasileira – é sempre tempo de alertar as pessoas sobre o que aconteceu naquela época, e tentar fazer com que o mundo saia da inércia.
Enfim é isso aí, Espero que vocês se interessem pelo livro. Vale muito a pena! Eu garanto.

“Tempos difíceis. E perigosos. Tempos de AI-5. Lara não sabia o que a sigla significava, mais a temia pelo que não se falava sobre ela. O silêncio das pessoas dizia tudo o que precisava ser dito. O AI-5 era uma forma que o governo militar havia encontrado para perseguir as pessoas consideradas inimigas do país. E nesta lista negra entrava qualquer um: professores, sindicalistas, estudantes, escritores, cantores, enfim, todo mundo que não concordasse com as decisões do governo militar.Lara foi a pé para a escola, como sempre fazia. Desta vez, no entanto, o medo a acompanhava como uma sombra invisível. Havia uma sensação gelada, que ganhava força com a ameaça trazida pelo desconhecido, pelo que podia acontecer. Não temia por ela e sim por Luke, o irmão seis anos mais velhos. Não sabia se ele estava na lista de perseguição iniciada pelo AI-5.[...]Naquela manhã, a garota não prestou atenção em nada, nem no bonde 42 que parava para pegar passageiros no ponto logo adiante. Em breve, Santos perderia todos os seus bondes para dar lugar aos ônibus que já circulavam em números cada vez maior. Sinal dos novos tempos, acreditavam alguns. é a modernidade, reforçavam outros. Lara, com seus 14 anos, gostava de bondes, mas não podia deixar de admirar as novidades em um mundo que parecia mais e mais veloz. No ano anterior, um americano, Neil Armstrong, havia pisado na Lua pela primeira vez. A avó de Lara não cansava de repetir que as imagens que a TV tinha exibido para mostrar o astronauta caminhando sobre a superficial lunar não passava de mentira. "Tudo truque!", retrucava ela, com raiva dos Estados Unidos. Não era esse o país que havia incentivado o golpe militar no Brasil? Como Luke explicaria uma vez, em voz baixa e apenas à irmã Lara e à avó, os agentes da CIA tinham ensinado métodos de tortura aos policiais e militares brasileiros, os mesmos métodos hoje aplicados sem piedade aos prisioneiros do regime.Lara pensou em Caetano Veloso e Gilberto Gil. Luke contara que os dois haviam sido presos, um ano antes, numa boate do Rio de Janeiro, quando faziam espetáculo. Após dois meses na prisão, tinham partido para o exílio, na Inglaterra. E se isso também acontecesse ao Luke? Lara tinha medo de que ela também acabasse preso, que fosse torturado e tivesse que ir embora do país. O que seria dela e da avó? As duas já morriam de saudades desde que ele trocara Santos e fora morar em São Paulo para estudar filosofia na USP. Já imaginou se o rapaz fosse obrigado a viver no exterior?A garota respirou fundo e apertou os cadernos que carregava contra o peito. Espremido entre duas páginas, estava o dinheiro que entregaria ao irmão. Era tudo o que a avó conseguira arrumar. Luke não dera detalhes sobre o que estava acontecendo com ele. Ligara na véspera, pedindo para a irmã levar o dinheiro e encontrá-lo na biblioteca da escola onde ela estudava. O rapaz estava em perigo. Há tempos, Lara desconfiava de que o irmão estava fazendo mais do que participar de passeatas contra o governo, o que, aliás, agora era proibido. A avó queria levar pessoalmente o dinheiro, mas ele argumentara que a irmã não despertaria nenhuma suspeita. Afinal, ela estava apenas indo para a escola, dentro de sua rotina de sempre.”

Indicação do Aion.
[chega de chegar, depressa é muito devagar]

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