segunda-feira, 18 de março de 2013

Holocausto - Gerald Green



Estou polêmica essa semana – mentira, sempre fui – e escolhi um livro que vem ao encontro dessa minha peculiaridade. Digo que o Holocausto é um livro polêmico porque esteve envolvido em diversas aclamações e acusações. Um livro brilhante? Sem dúvida. Um livro questionável? Sem dúvida também.

Adaptado pelo próprio autor para uma série de TV que totaliza nove horas de vídeo, com um elenco excelentee um imenso pessoal de apoio, uma produção sensacional e o roteiro bem colocado pelo próprio autor da obra, a série ganhou diversos prêmios, foi aclamada pela crítica e até hoje é lembrada como um veículo de informação histórica sobre o Holocausto. Quase que um tutorial: entenda-você-mesmo.

Mas então, Amanda, porque a polêmica? Ora, pequeno forasteiro. Todo esse sucesso traz alguma crítica. A primeira delas é a de que o imenso faturamento (vulgo lucro) que a série gerou seria uma maneira de “vender” a idéia do Holocausto ou comercializá-la sem fins didáticos, sociais e humanos. A outra acusação foi feita inclusive por um sobrevivente da época, que a acusa de ser irreal, ofensiva e trivial.

Sim, eu estou falando da série. Mas não vejo jeito maneira de desconectá-la da obra literária, até porque, o roteiro foi otimamente adaptado. E é justamente aqui que eu quero fazer o ponto de transição entre as duas obras: ambas são polêmicas. Gerald Green foi muito criticado à época do boom de seu livro porque vendeu cópia pra caralho. E aqui, a velha história da comercialização do Holocausto volta e se coloca num ciclo de discussão sem fim – independente do fato de você ser contra ou indiferente.

Justamente por causa dessa polêmica toda, não quero entrar no mérito da validade histórica da obra e sim na sua construção literária. Obra MUITO bem feita, com recursos literários e de enredo muito bem embutidos no conjunto.

Usando de uma técnica que muitas vezes não dá certo – por incompetência de quem se propõe a fazê-lo – Green dá uma aula de como colocar dois personagens e mundos em oposição numa mesma obra. O livro é narrado por partes antagônicas: o judeu alemão Rudi Weiss e o advogado e major da SS Erik Dorf. E como eu disse, ao contrário de muitas tentativas falhas, os dois personagens são absolutamente distintos (e são narrados em primeira pessoa) transparecendo o talento do autor. Green constrói ambos os personagens sob suas bases familiares e sociais – e cria duas entidades com maestria.

Weiss é um bruto judeu, jogador de futebol, que vive com sua família na Alemanha e cuja história se ambienta pouco antes da promulgação das racistas Leis de Nuremberg. Os grandes eventos pré-holocausto são narrados sob a ótica dele – como a Kristallnacht (a Noite dos Cristais) em que milhares de estabelecimentos, sinagogas e lares judeus foram vandalizados pela SA por membros do NSDAP; também as prisões sem motivos, a realidade dos campos de concentração e a formação dos guetos.

Revoltado, Weiss torna-se um andarilho na Europa a fugir do regime. A trama curiosa de Green explode realmente quando ele cria um paradoxo dos mais inteligentes: no pré-guerra, a família Weiss era uma família abastada, e o pai de Rudi era médico. Já Dorf, o futuro major da SS, era um ariano recém-formado em Direito, pobre e com esposa e filhos. Ambas as famílias, a Weiss e a Dorf, se conheciam de tempos de outrora.

Um dia, Dorf vai pedir ajuda médica para a esposa a Weiss. O judeu, que era um homem generoso, o faz sem maiores considerações. Aqui, metade do paradoxo está construído. Para termina-lo, precisamos passar pelos diários do major, que brilhantemente transformam o tímido advogado em um seco e frio funcionário da SS, na história, braço direito de Heydrich (aqui: http://migre.me/dJJAe), um dos maiores responsáveis pela eufemização do que realmente ocorria com a população judaica da Europa, história contada pela sua ascensão dentro do partido e pelas funções relacionadas ao extermínio que vai acumulando.

Pra terminar as considerações sobre o enredo, vou amarrar o paradoxo quando Dorf vai solicitar que a clínica do dr. Weiss se restrinja aos judeus, apenas – já que ele vinha atendendo gratuitamente uma idosa e pobre alemã. Aqui, Green joga de encontro passado e presente, dando o nó com um laço das transformações individuais. O mesmo advogado, protegido por um uniforme negro, ilustra tantas transformações quantas são possíveis num homem por uma ideologia.

De jovem e tímido a seco e poderoso, Dorf amarra o regime nazista nele próprio, do começo ao fim. Sua construção através dos diários é brilhante. Para Weiss, o autor reserva outra faceta do brilhantismo: abranger a dor humana de uma forma tão crua – e lírica.

Se você não gosta de eufemismos, porém, este é exatamente o livro que você estava procurando sobre a II Guerra.

“A um sinal do sargento Foltz, as armas trepidaram em curtas rajadas de chama alaranjada. O fedor acre da pólvora me entupiu o nariz. Através da névoa, eu vi os judeus caírem em pilhas disformes. Seus corpos estavam pontilhados por pequenos furos vermelhos.
A garotinha que tinha acabado de perguntar se podia fazer seus deveres escolares estava caída atravessada sobre o corpo de sua mãe. Na morte, elas se abraçavam.
Entreouvi Blobel dizendo:
- Duas balas por judeu, uma porra! - dizia Blobel.- Deixe aquele filho da mãe do Von Reichnau vir aqui para contar os buracos neles, se quiser.
Rapidamente, coloquei um escudo plástico claro sobre os olhos. Eu estava chorando. Não, conscientizei, por simpatia pelos judeus. Eles morrem tão facilmente, tão rapidamente, sem se queixar, que é difícil aceitar que aquilo se trate realmente de morte. Mas chorei devido a uma percepção vaga, imperfeitamente compreendida, das dimensões terríveis de nossa tarefa. Heydrich me convenceu, além de qualquer dúvida, que estamos forjando uma nova civilização. Ações duras e cruéis são necessárias. Eu agora presenciei uma delas.”

Seeya todos vocês, mil bjs.
Indicação da Amanda

[you see, but you don’t observe]

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