sábado, 29 de dezembro de 2012

Laranja Mecânica - Anthony Burgess


Vamos falar de coisa boa, gente? Mas não da Iogurteira Top Therm não. Hoje na resenha de presente de Natal da Posso te indicar um livro? a bola da vez é Anthony Burgess com mui bem conhecido Laranja Mecânica – no Brasil, especialmente conhecido através do filme. O livro, que faz parte da chamada “tríade do futuro distópico” – 1984, Admirável Mundo Novo e Laranja Mecânica – poderia ter sido escritoontem ou ainda, amanhã, e que, no entanto data de 1962 (um pouco mais jovem do que os outros dois componentes da tríade).

Laranja Mecânica é um desses livros que a gente começa a ler e lá na primeira página tem aquela sensação: este livro vai ser fenomenal. E o mais legal é que isso se confirma quando você chega ao final dele. A ressaca literária é das mais compridas, avisamos.

Aliás, desculpem o tom informal mas esta resenha é uma resenha compartilhada, como vocês entenderão no final, por duas pessoas que morrem de ciúmes da mesma história.

Somos suspeitos para falar, simplesmente amamos a história, conhecida primeiramente no filme de Stanley Kubrick (aguarde o pessoal do Cinedicas!), MAS não estamos aqui para falar do filme e sim do livro que o originou.

Laranja Mecânica conta a história de Alexander de Large, ou melhor, Alex (assim, mais íntimo) conta-nos sua história num testemunho em primeira pessoa, que te insere na história e faz parecer que fazemos parte dela, a cada página, a cada linha. Alex se refere a nós os jovens leitores como “Irmãos”, como se estivéssemos num Lactobar ouvindo um causo no mínimo, peculiar. Alex vive numa Londres num futuro indeterminado, mora com os pais, tem gostos muito particulares que variam de música clássica até ultraviolência. Toda a noite sai com um grupo de amigos (os seus druguis) para praticar atos não mui corretos, como roubos, diversão ao espancar pessoas, o velho entra-e-sai, etc. etc. Alex faz o seu testemunho utilizando de uma linguagem também peculiar: o nadsat.

O nadsat é o idioma utilizado na narração do livro por Alex, que não tem preocupações formais e conta sua história da maneira que a vê (e que a falaria), e compartilhado pela maioria dos demais personagens. É a união de gírias em russo e em inglês, o que configura ao idioma uma identidade extremamente jovial. Se faz necessário dizer que no livro, a presença do nadsat, a linguagem utilizada pela juventude, ser exatamente a língua oficial, trata-se de uma confirmação do que vem acontecendo naquela sociedade futurista: a juventude é quem está dando as cartas por lá, a juventude “transviada” é quem domina a sociedade, e os anciões se vem presos e com medo até de sair de casa.

O autor tem a idéia do nadsat quando passa a observar as gangues que batalham pela sua cidade: como cada um tem suas gírias e linguagem particulares. Como ele não queria copiar nem de uma, nem de outra gangue, sincretiza o russo e o inglês dando origem a palavras divertidas, que permeiam todo o texto e te fazem deduzir o significado pelo contexto. É quase um livro narrado numa língua estranha – uma jogada literária sensacional.

Outra sacada mais que genial do livro é a presença de um escritor, com quem Alex acaba esbarrando; este escritor se chama Alexander, e está escrevendo um livro chamado Laranja Mecânica. Em outro ponto da narrativa, Alex refere-se a si mesmo como uma laranja mecânica. O porque do titulo do livro? Deixaremos que você descubra por sua própria conta. Uma curiosidade sobre Laranja é a de que ele sofreu imposições da censura na época de seu lançamento, por suas narrações de alta violência, o que depois se estenderia ao filme de Stanley Kubrick.

Alex é um jovem de 15 anos ao início do livro; um pequeno monstrinho, um pequeno psicopata. Como temos acesso a seus pensamentos, podemos entender que ele não é mau por seu meio, por sua criação ou um motivo externo a ele; não, Alex é mau porque é mau e porque se diverte praticando suas maldades, sua ultraviolência. As circunstâncias da violência juvenil na sua Inglaterra, são é claro, parte de seu ninho, mas devemos encarar Alex afinal, como alguém que decide ser mau.

É engraçado notar que embora Alex pratique atos de violência que nos repugnam, tais como estupro e assassinato, é impossível não se afeiçoar a ele como menino e como Nosso Humilde Narrador. Termine o livro e te damos um chocolate (de Gramado, heim!) se não estiver apaixonado pelo nosso drugui.

O livro em si é dividido em três partes, a primeira mostrando a vida confortável de arruaceiro do protagonista, a segunda quando ele é pego pela policia, e sua reabilitação, e a terceira e final quando o jovem Alex é jogado de novo ao mundo, agora já sem direito de escolha sobre si próprio.

A parte da reabilitação é uma das sacadas geniais que configuram ao livro sua importância literária e a entrada ao rol do futuro distópico. Alex é submetido a um processo de condicionamento que impede sua capacidade de cometer maldades. Por meio de uma reação adversa, uma reação negativa que ocorre em seu corpo quando tenta cometer algum ato ruim (Alex sente náuseas quando pensa em violência), nosso protagonista é tolhido em seu livre-arbítrio – em sua vontade e em sua natureza más – e reside aí uma possibilidade aterradora: ser contido, ser privado de sua própria personalidade por uma força externa.

O Livro constrói um enredo que vai crescendo a cada capitulo, um acontecimento puxa o seguinte, que puxa o seguinte, que te leva página por página a se interessar pela história e a não abandoná-la.

A recomendação é forte e a vontade de dar spoiler é ainda maior. No entanto, respeitamos e entendemos que nossos leitores possam ter problemas com isso (nós não temos). Esperamos que a resenha tenha sido satisfatória. Ela foi motivo de algumas discussões, uma vez que eu, Amanda e meu amigo Aion morremos de ciúmes da história (eu particularmente do futuro distópico, ele particularmente da história pela qual se apaixonou através do filme).

Esta é a nossa primeira resenha especial, e a tentativa se repetirá na primeira semana do ano de 2013. Pra semana que vem, resenha dos melhores livros que lemos no ano, então fique ligado!
A Posso te indicar um livro? deseja um felicíssimo depois do Natal, e que seu 2013 seja cheio de livros!


Indicação do Aion e da Amanda.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase – Paulo Leminski



“acordei bemol, tudo estava sustenido, sol fazia, só não fazia sentido ”

Esse delicioso livro de Paulo Leminski vem acompanhado do subtítulo (de 63 pra cá). Sua publicação data dos charmosos anos 80. O livro no entanto, tem claras características do movimento literário Concretismo, literatura brasileira dos anos 60, onde as palavras brincam e dançam no papel.

E aqui entram todos as qualidades de Paulo Leminski, um escritor brasileiro, nascido em Curitiba, cidade onde viveu grande parte da vida; e eu não poderia deixar de mencionar que sua obra é simplesmente maravilhosa em todos os níveis possíveis e imagináveis.

O livro é uma série de poemas curtinhos, alguns os famosos hai-cais com rimas encantadoras, outros brincam com as palavras, com o fazer da poesia, com os sentimentos do poeta em si. Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase (o próprio titulo da coletânea já traz uma amostra do que será visto no livro e o que Leminski sabia fazer de melhor) é um delicioso testemunho da obra de Leminski, que leva o leitor a um mundo diferente, um mundo tão parecido e tão diferente do nosso.

Há uma deliciosa peculiaridade neste livro: a editoração dele faz parecer que foi inteiro, inteirinho, batido na máquina de escrever, letra por letra, o que aproxima o leitor ainda mais do poeta. 

O livro, discute o amor, a vida, a diferença da poesia na vida do poeta. Como o autor cria seus universos paralelos através das palavras; essa metalinguagem, aliás, é uma das marcas registradas de Leminski, e neste livro é feita engenhosamente. 

Uma linguagem simples e descompromissada, uma leitura fácil e agradável, por vezes lúdica e divertida, emocionante; a cada página virada, um novo poema, um novo mundo a ser desvendado, novas construções de palavras e rimas a serem analisadas. 

Tem de tudo aqui, de concretismo vamos aos hai-cais, passando por metapoesia, e ainda fazendo crítica social. Rimas bem construídas e diversão, num livro simplesmente fascinante, assim como toda a obra de Paulo Leminski.

A verdade é que não sei mais o que dizer sobre esse livro, e por isso a resenha vai ficando por aqui. Vou ser piegas dizendo que a obra de Paulo Leminski fala por si, e devo dizer a todos que corram o mais depressa possível para conhecê-la, e aí sim se maravilhar e concordar com tudo o que eu disse.

“ de repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que eu te vi
o dia em que me viste
de repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm cigarro
eles têm grana
eles tem casa
a grama é bacana 
só assim eles podem voltar
a pegar um sol em copacabana” 

Quebrando as regras, vou colocar aqui outro trecho do livro, mais um poeminha completo:

“apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois 
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme”

Indicação do Aion

[nos perderemos entre monstros, da nossa própria criação]

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Um Artista da Fome - Franz Kafka


Mudando um pouco os ramos, esta semana deixarei de fazer resenha sobre um livro, para fazer resenha de um conto.
Muitos de vocês conhecem Franz Kafka, principalmente pela sua genialidade em A Metamorfose, mas acredito que não muito de vocês ouviram falar sobre o seu texto conhecido como Um Artista da Fome, que em minha opinião está certamente entre os melhores contos de Kafka. É dele que hoje irei relatar.

A história trata-se de um artista que sua arte é jejuar, e é visto por grandes públicos por onde passa. Seu empresário não o deixa jejuar por mais de 40 dias. Ninguém realmente entende o motivo daquilo, mas atrai grandes multidões. Com o tempo, as atuações do artista perdem a atenção pelo público, e ele torna-se chacoteado nos grandes circos da época. Desta forma, o artista resolve, sozinho (após perder empresário e público) jejuar em uma jaula próxima a um circo, mas desta vez não há contagem de quantos dias o jejuador ali permanece sem alimentar-se. Sem a atenção de pessoas que por ali transitam, o protagonista jejua até a morte.

Kafka, além de expor o quão trivial pode-se tornar as habilidades de um artista, através do conto analisa a arte de sua época, pois eram poucos que conseguiam manter-se neste meio. Simplesmente fazer arte pela arte. A arte significando a vida e a morte. Há também outra analogia que pode ser descrita, que é a referencia a comercialização da arte, e a mudança que os tempos trazem a esta. O passa por momentos prósperos, para logo ser esquecido pela multidão. Aquela mesma que entendia o movimento de sua arte.

Em alguns textos sobre Kafka, pode-se encontrar dito que este conto trata-se de um alter ego do próprio autor, pois durante a época que escreveu o conto, Kafka sofria de tuberculose, e sentia imensa dificuldade de alimentar-se, devido a degradações na laringe.

Para o artista da fome, o ato de jejuar, ou seja, sua arte, é a sua existência, e a perfeição do ato de jejuar, ou seja, o único momento que atinge-se a completa satisfação da arte, é na morte.

Está aí uma ótima leitura para o final de semana de vocês.

"Podia jejuar da melhor forma que lhe fosse possível — e ele o fazia —, mas nada mais poderia salvá-lo, as pessoas passavam por ele sem lhe dar atenção. Tente explicar para alguém a arte de jejuar! Não é possível fazê-la entender a alguém que não a sente. Os belos cartazes foram ficando sujos e ilegíveis, foram arrancados, e ninguém pensou em substituí-los; a tabuleta com o número dos dias jejuados, que nos primeiros tempos tinha sido renovada cuidadosamente a cada dia, continuava a ser a mesma fazia muito tempo, porque depois das primeiras semanas o pessoal ficou achando demais até mesmo esse pequeno trabalho; e desse modo, embora o artista da fome continuasse a jejuar, tal como outrora sonhara, e conseguisse fazê-lo sem grande esforço, tal como ele o tinha predito então, ninguém mais contava os dias, ninguém, nem mesmo o próprio artista da fome, sabia quão grande já era o seu desempenho, e o seu coração ficou pesaroso. E se alguma vez, nesse tempo, um passante que não tinha nada melhor o que fazer se detivesse, zombasse da velha cifra e falasse de fraude, isso era, à sua maneira, a mais tola das mentiras que a indiferença e a maldade inata pudessem inventar, porque não era o artista da fome quem fraudava — ele trabalhava honestamente —, mas era o mundo quem o defraudava de sua recompensa."

That's All Folks.

Indicação do Luiz A. Jr.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Crônica de um vendedor de sangue - Yu Hua


Topa dar uma voltinha pra fora da sua literatura ocidental?

Se não topar não tô nem aí. É sempre tempo de largar mão da literatura americana/inglesa e se aventurar por outras línguas – tudo bem, pode comprar a edição traduzida. Hoje, gostaria de compartilhar um pouco com vocês das minhas aventuras pela literatura chinesa e de como ela é diferente do que estamos acostumados, sobre como ela quebra estereótipos na mesma velocidade em que você compartilha frases da Clarice Lispector no facebook.

Crônica de um vendedor de sangue, de autoria do chinês Yu Hua, editado pela Companhia das Letras (vulgo “Companhia te leva à falência”) seria absolutamente perfeito se eu não implicasse com apenas um detalhe na tradução do título: Crônica. Creio eu que ficaria bem mais próximo do texto se fosse Crônicas (assim, no plural). E isso se justifica pelo estilo de literatura que Yu Hua desenvolve não só nesse livro, bem como no resto de sua obra.

Crônica(s) de um vendedor de sangue é a história de Xu Sanguan, um operário que vive na China da segunda metade do séc. XX, a China maoísta (vide Mao Tsé-Tung); uma China assolada pela fome, crise industrial e econômica, além do impacto cultural imensurável. Nesse cenário, Xu Sanguan sofre suas desventuras particulares na família, na honra, na crise. Em momentos extremamente necessários, ele recorre a uma prática comum na época: a venda de cerca de duas tigelas (ou 400 mililitros) de sangue em hospitais sujos, sem nenhuma segurança e cuidado médico.

Num espaço de 30 anos, Sanguan e sua família vão sobrevivendo unindo os pedaços. Porém, a conjuntura do país cada vez mais aperta e alguns eventos vão fazendo com que o protagonista recorra ao recurso com uma freqüência totalmente inadequada e prejudicial à sua saúde – vendendo um pouco da vida cada vez que acorre ao hospital. Sem perceber, Xu Sanguan é sugado pelas circunstâncias na mesma medida em que seu sangue é sugado, prendendo-se a um ciclo que pode terminar com a morte.

Esse retrato fiel da realidade da China de 1950 – uma vez que o próprio autor pertence a ela – é comovente em várias formas. Não apenas pelo enredo (impecável), mas pela maneira com que Yu Hua consegue traçar um padrão de China que está muito além dos nossos limitados estereótipos. Eu mesmo relutei em pensar chineses usando tênis brancos. Pois é.

Num estilo de literatura rápida, extremamente rápida, cheia de pontos e frases curtas, conclusivas, o livro ganha o ar de crônicas – pequenos episódios da vida do protagonista que foram construindo sua vida e sua venda de sangue. É engraçado mais uma vez ser confrontado com uma literatura crua e objetiva, cruel às vezes, quando se tem na cabeça imagens de dragões e músicas folclóricas. O livro estabelece um contraste violento com a literatura americana/inglesa, geralmente mais fluida – e nós que reclamamos da velocidade do modo de vida ocidental.

Afoguem-se em Yu Hua – e terminem a última página perdendo o fôlego. Um trecho longo aí pra fazer uma tortura básica.

“Quando isso vai terminar afinal? Esta situação tem sido penosa para os meninos. Eles nem se lembram mais de quando comeram um caramelo, e quando finalmente põe na boca uma coisa doce não reconhecem mais o gosto de açúcar.
[...]”Meninos, eu sei o que vocês mais querem. Comer, não é? Querem arroz cozido, pratos refogados com óleo, peixe, carne e outras coisas boas. Até já comeram um pouco de açúcar. Mas eu sei que, no fundo, vocês querem mais. O que eu pergunto é: o que vocês querem comer de verdade? Como é meu aniversário, vou preparar com a minha boca uma refeição para cada um, e vocês vão comer com os ouvidos. Não vão poder comer com a boca porque não existe nada para comer, mas apurem os ouvidos, porque a qualquer momento vou começar a cozinhar. Cada um pode pedir qualquer coisa. Um de cada vez.”'

Indicação da Amanda
See ya!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cinco Minutos – José de Alencar



“É uma história curiosa a que lhe vou contar, minha prima”.

Cinco Minutos – José de Alencar

José de Alencar é sem dúvida nenhuma, um dos melhores nomes do Romantismo no Brasil, autor que, extremamente ufanista, quando criticado pela sua forma de utilizar a língua, diferente da forma clássica europeia, argumentou dizendo que estava escrevendo em outro português, o português do Brasil.

Cinco Minutos, que eu estou resenhando essa semana, é o primeiro romance urbano do autor, curtinho, e geralmente nas edições disponíveis nas livrarias e bibliotecas ele vem acompanhado de A Viuvinha, outro romance do autor. Cinco Minutos é um doce de romance, daqueles meio água com açúcar (e talvez haja quem o desmereça), mas engana-se quem pense que trata somente disso. Tudo é mostrado pela visão de Pedro (o protagonista) que envia uma carta a sua prima, sobre como conheceu sua amada, de que forma os dois se apaixonaram por um acaso simples do destino.

Como todo bom romance romântico, até o casal se reunir, uma série de coisas acontecem ao longo da história – e isto é um charme da época e cria uma tensão por todo romance. Em certo ponto da narrativa chega-se a imaginar que o casalzinho acabará não ficando junto. Será que eles ficam juntos, inclusive?

Pedro estava indo atrás de um ônibus, para ir ao Andaraí, que acabou perdendo, pois havia partido há cinco minutos. Cinco exatos minutos, Obrigado a esperar o próximo, é no ônibus seguinte que ele sobe, senta-se, e depara com uma mulher que está com o rosto escondido. Os dois então estabelecem um contato, porém, coisa de poucos segundos, e logo a mulher se afasta. Aqui abro um parênteses: o romance tem bem a ver com a sociedade da época, os costumes, a maneira como a mulher era vista. O papel do homem. É dentro do ônibus, por cinco minutos, que Pedro conhece Carlota.

Antes de sair à Carlota murmura “Non ti scordar di me!” e desce. Há uma criação de uma tensão, que perpassa toda a narrativa. Pedro conta à prima o que se passou e depois que ficara um bom tempo sem encontrar a moça por quem acabara de se apaixonar, e ainda tem a dúvida, pois a moça estranhamente já parecia conhecê-lo. É um testemunho bonito de se ver, o entusiasmo como que Pedro fala sobre a vontade reencontrar a moça, o amor é tratado de uma forma serena e bonita.

De novo, como todo bom romance romântico, Cinco Minutos apresenta uma trama rocambolesca, que segura o leitor da primeira a última página. Primeiro, se ele encontrará Carlota ou não? Depois Carlota envia uma carta, apenas dizendo que tem um motivo para se ocultar, mas não revela esse motivo, o que provoca a raiva de Pedro. Ainda depois, quando a moça revela que está com uma doença e que tem poucos dias de vida, Pedro se desespera, e o leitor não sabe se os dois ficarão juntos afinal, ou se Carlota vai morrer. A trama bem atada, enfim, é o que te prende à leitura.

Diria Antonio Candido, em seu ensaio “O Direto a Literatura” publicado no seu livro Literatura e Sociedade, que Literatura é forma: forma de palavra, forma de expressão e forma de conhecimento. Cinco Minutos atende tranquilamente estas três formas. Forma de palavra é uma viagem a um português arcaico, cheio de formas formais, regras gramáticas que caíram do uso, mas que na época em que o livro foi escrito correspondia à forma com que as pessoas se comunicavam. Forma de expressão trata-se do primeiro romance urbano de José de Alencar, a imagens do Rio de Janeiro da época; o autor traz todo o seu estilo e as coisas que ele queria dizer ao mundo nesse romance, (coisas essas melhores problematizadas em outro romance do autor, muito mais conhecido e até um pouco odiado, que se intitula Senhora); e por fim, forma de conhecimento, uma vez que Cinco Minutos, lido atualmente por nós, é uma doce viagem no tempo a um Brasil tão desconhecido de nós, uma doce viagem a uma época tão diferente da nossa, os costumes, as influências advindas da Europa etc.

Arrisco dizer que Cinco Minutos é o preâmbulo da grande obra de José Alencar, o já referido romance Senhora.

Há quem critique esses romances água com açúcar, assim como toda a fase do Romantismo, ou até mesmo os escritores clássicos da literatura brasileira (como a senhorita Dornelles fez na resenha especial dela na quarta-feira). Como a literatura brasileira é uma das minhas paixões, posso ser suspeito pra falar, mas devo dizer que para apreciar estes livros precisamos enxergar-los como uma aula de história, como um retorno a um passado. E devemos fazer isso de livre e espontânea vontade, sem a pressão da escola, que obrigando as pessoas a ler, acaba afugentando os alunos destes livros tão bons, bem escritos e cheios de coisas boas para serem encontradas.

Indico Cinco Minutos porque, este romance em particular é um doce testemunho, mas, além disso, é uma forma de pensar numa sociedade de anos atrás, tão diferente da nossa, tão rica e que nos influencia até hoje. Enfim, indico Cinco Minutos, e espero que você o leia com outro olhar, perceba sua linguagem tão rica, e tente fazer essa tal “viagem no tempo” que eu falei.
Garanto que valerá a pena.

“Assim passei nove dias na Tijuca, vivendo uma vida estúpida quanto pode ser: dormindo, caçando e jogando bilhar.
Na tarde do décimo dia, quando já me supunha perfeitamente curado e estava contemplando o sol, que se escondia por detrás dos montes, e a lua, que derramava no espaço a sua luz doce e acetinada, fiquei triste de repente.
Não sei que caminho tomaram minhas ideias; o caso é que daí a pouco descia a serra no meu cavalo, lamentando esses nove dias, que talvez me tivessem feito perder para sempre a minha desconhecida.
Acusava-me de infidelidade, de traição, a minha fatuidade dizia-me que eu devia ao menos ter-lhe dado o prazer de ver-me.
Que importava que ela me ordenasse que a esquecesse? Não me tinha confessado que me amava, e não devia resistir e vencer essa fatalidade, conta a qual ela, fraca mulher, não podia lutar?
Tinha vergonha de mim mesmo; achava-me egoísta, cobarde, irrefletido, e revoltava-me contra tudo, contra o meu cavalo que levara à Tijuca, e o meu hóspede, cuja amabilidade ali me havia demorado.
Com esta disposição de espírito cheguei à cidade, mudei de traje e ia sair, quando um moleque me deu uma carta.
Era dela.”

Indicação do Aion
[nos perderemos entre monstros, da nossa própria criação]

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O verde violentou o muro - Ignácio de Loyola Brandão


Pra você que, assim como eu, não é exatamente o maior fã dos movimentos literários brasileiros mais clássicos (romantismo, realismo, naturalismo – esses que a gente é obrigado a ler na escola) MAS que sente que não deve desistir da literatura brasileira ainda, CALMA: eu tenho a solução.

Infelizmente, a literatura brasileira é sempre generalizada pelos clássicos: Machado, José de Alencar, etc etc, mas isso (ainda bem – pfvr não estou desmerecendo esses autores) não corresponde à realidade. O autor da indicação de hoje é um exemplo: Ignácio de Loyola Brandão é um autor conhecidíssimo no meio literário-acadêmico e permanece lamentavelmente desconhecido do grande público, que insiste em tomar literatura brasileira apenas por Machado de Assis.

Loyola Brandão é o tipo de escritor que muita gente tomaria por chato logo de cara, uma vez que ele escreve em fluxos de consciência – sejam seus próprios ou dos personagens. Lá vem você me falar de epifania e Clarice Lispector, mas calma, pequeno forasteiro; estamos bem longe disso.

A habilidade do escritor em fazer seus fluxos de consciência narrarem uma história ao invés de simplesmente serem dispersos – como se dá a maioria dos nossos fluxos de consciência – é impressionante. Loyola monta histórias cheias de pérolas e parágrafos que com facilidade te viram de cabeça pra baixo. Com O Verde Violentou o Muro, não é diferente: o autor, que recebe um adiantamento da editora que o publicava, viaja para a Berlim dividida da Guerra Fria, tentando encontrar alguma inspiração.

O Verde Violentou o Muro não é a história que ele deveria escrever (e escreveu), mas o diário paralelo. É dividido em curtos capítulos, que podem ser vários numa página ou capítulos de duas ou três páginas, e traça todo o panorama mental das impressões do autor de uma Berlim violada pelo muro.

Para o autor – e para o leitor – é outra realidade. O interesse nela vem da situação atípica da Guerra Fria, é claro, mas vem na mesma proporção pela habilidade de Loyola em fazer seus pensamentos soarem muito parecidos com os nossos e manter o interesse para saber o que vem (o que pensaríamos) depois.

Você que nunca se aventurou em outros gêneros que não o da ficção tradicional, comece experimentando qualquer livro do autor. Me bata depois se nem ao menos ficar um tanto filosófico.

“[Fixação]Estou meio doido. Piradão. Cada vez que vejo o nome Steglitz, me dá um comichão. Mas porque Steglitz?
[Difícil]Isto deve ser desenvolvimento: os sacos plásticos de lojas e supermercados não se rompem de modo algum. Resistem a tudo.
[Déficit]Custo a acreditar, porém leio uma estatística de que há na Alemanha um déficit de um milhão de habitações (revista Jeune Afrique, 7 de julho de 1982, caderno especial sobre RFA). Como se alojam as pessoas? Se amontoam aonde? Por que não vejo ninguém nas portas de igreja, nos bancos de jardim, embaixo das pontes (e há mais de 500 só em Berlim), viadutos? Não vejo favelas, malocas, barracos de madeira ou zinco. Conheço centenas de prédios deteriorados, mas nada daquilo que numa linguagem brasileira possa traduzir miséria, maloca, não-habitação. Ficou um mistério.O que existe na verdade: estudantes e famílias inteiras morando sem calefação. Gente morando em apartamentos sem banheiros, sem duchas, apenas com um sanitário.”

Boa semana a todos 
Indicação da Amanda

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Macário – Álvares de Azevedo



“Eu sou o diabo, Boa-noite, Macário”
Álvares de Azevedo é sem dúvida um dos meus escritores favoritos. Ele está inserido na 2º Fase do Romantismo no Brasil, a fase do macabro, da melancolia, da vida curta e breve (friso que não são sinônimos). O autor morreu aos 20 anos, de tuberculose, como, aliás, aconteceu com vários daqueles poetas dessa fase tão macabra do romantismo (e uma das mais ricas), Infelizmente, Azevedo foi embora e deixou muita pouca coisa escrita. Macário é uma peça de teatro e na minha humilde opinião figura entre uma de suas melhores obras.
Macário, o personagem título, está chegando de viagem quando cruza com um desconhecido. Pelo menos essa é a referência inicial do texto, no entanto, os dois conversam como dois velhos amigos, infelizes com suas vidas, sonhadores com amores impossíveis. Álvares de Azevedo vai aos poucos fazendo um suspense em não revelar o nome do desconhecido que conversa com Macário. Toda vez que Macário pergunta quem ele é, o desconhecido foge e não responde a pergunta.

Isso dura algumas páginas, e vários monólogos se alternam entre Macário e o Desconhecido. Macário então conta sobre os seus desejos mais íntimos, sobre o seu sonho amoroso, sobre a angústia da juventude, sobre o desejo em se deitar com uma mulher. Os dois, que acabaram de se conhecer, conversam por várias páginas sobre esses assuntos. Notamos que o Desconhecido dá corda a Macário, quer que Macário fale e que ele abra seus pensamentos, seus anseios mais profundos.

Mais a frente, O Desconhecido revela ser o Diabo – o que dá a peça um tom altamente macabro, mas ainda sim, mesmo após a revelação, Macário e Satã (A partir daqui denominado assim) conversam como dois velhos amigos, chegam a falar sobre a angústia de fazer poesia, à vontade e o gosto por bebida, as mulheres, a virgindade, a vida e a morte, num desenvolvimento que é bem típico dos demais romances da segunda fase do romantismo. O livro foi publicado em 1852, e guarda a linguagem culta da época, o que dá um charme delicioso ao conteúdo.

Há ainda um segundo ato, depois da conversa de Macário e Satã, que se passa na Itália. Conhecemos Penseroso, um amigo de Macário, que como ele, está vivendo angustiado, confuso, em busca de amor virginal. Em busca, enfim, de uma vida para ser vivida. Há melancolia por diversas partes das falas de Penseroso. Na verdade, Macário é uma peça teatral um pouco melancólica, mas que traz discussões muito relevantes e importantes de serem pensadas. Curtíssima e muito rica em sua essência, sua linguagem, ousada para os padrões atuais, com o macabro de se conversar com o Diabo, e trata isso de uma forma extremamente natural.

Simplesmente um livro fantástico, assim como toda a obra de Álvares de Azevedo.


“MACÁRIO - Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, às noites límpidas, acho isso sumamente insípido. Os passarinhos sabem só uma cantiga. O luar é sempre o mesmo. Esse mundo é monótono a fazer morrer de sono.
O DESCONHECIDO - E a poesia?
MACÁRIO - Enquanto era a moeda de ouro que corria só pela mão do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de cobre; não há mendigo, nem caixeiro de taverna que não tenha esse vintém azinhavrado. Entendeis-me?
O DESCONHECIDO - Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo a faz para ninguém.
MACÁRIO (bebe) - Eu vos dizia, pois Onde tínhamos ficado?
[...]
O DESCONHECIDO - Na verdade és belo. Que idade tens?
MACÁRIO- Vinte anos. Mas meu peito tem batido nesses vinte anos tantas vezes como o de um outro homem em quarenta.
O DESCONHECIDO - E amaste muito?
MACÁRIO - Sim e não. Sempre e nunca.”

Indicação do Aion

[nos perderemos entre monstros, da nossa própria criação]

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Cartas na rua - Charles Bukowski


“tudo começou com um erro”

É exatamente com estas palavras que Charles Bukowski inicia o seu primeiro romance publicado, e apesar de até então já ter escrito diversos contos e poemas, é com este livro que começa a fase de notoriedade comercial.

Aproveitando a foto da página desta semana, e também o fato de que a resenha de “Misto-Quente” trouxe relativo sucesso, resolvi trazer para vocês mais uma resenha do velho safado.

Em Cartas na Rua, Bukowski, usando o seu alter ego Henry Chinaski, disserta de forma altamente autobiográfica sobre os cerca de 15 anos em que trabalhou pelo correio estadunidense, em paralelo à fatos ocorridos em sua vida durante este período. Problemas amorosos, psicológicos, embriaguez, noites inacabáveis e completamente insuportáveis.

Tudo começa quando Henry Chinaski, depois de passar por diversos empregos em indústrias e comercio, resolve trabalhar temporariamente para os correios estadunidenses para ajudar na distribuição de cartões no período natalino, mas por lá acabou ficando. O inferno começa quando Hank (uma das alcunhas de Bukowski) é transferido para outra agencia, onde seu superintendente torna-se um verdadeiro carrasco em sua vida, fazendo as piores rotas para Chinaski, e não avisando a ele sobre perigos do caminho (como cachorros ou criminalidade). Durante este período, Hank namorava com Betty, uma mulher mais velha que segundo a vizinhança, o sustentava. Pois bem, o pedido de divórcio de Betty não veio muito depois.

Apesar de diversas desavenças com o correio, inclusive pedidos de demissão e pedidos de readmissão, Chinaski fica por lá por cerca de 15 anos, 3 deles trabalhando como entregador e o resto como escriturário. Após a primeira demissão, Hank resolve fugir com Joyce, de pais ricos e com belas fazendas, porém ele fica louco. No Texas (cidade para onde vai morar com a garota) ele é visto pela população local como o cara que conseguiu dar um golpe do baú, sem falar que é sempre completamente sacaneado pelos pais e avô da garota (este tentando inclusive subornar Hank para largar Joyce). Após a tentativa em alguns empregos, Hank percebe que o correio está contratando novamente, mas dessa vez um trabalho noturno como escriturário. Bah, ótimo! Ele já sentia dificuldades pra dormir, trabalhar em algo noturno seria tudo certo. O problema é que para manter esse emprego Chinaski precisava fazer testes com certa frequência, para testar se seu desempenho continuava na medida do que os correios requeriam e por consequência, vivia com a constante preocupação de perda do emprego e passava semanas treinando para os testes.

Após certo tempo, brigas e brigas, Joyce conhece um cara em seu trabalho, e deixa Hank de uma maneira completamente cômica e desalmada. Chinaski então resolve voltar pra Los Angeles, e lá conhece uma hippie um pouco louca, e acontece aquela que foi, provavelmente, a coisa mais essencial de sua vida, e junto com a escrita, foi o que lhe manteve vivo por tanto tempo: nasce Marine, Bukowski tem uma filha. Mas o relacionamento com a hippie não durou muito, e esta largou Hank e fugiu com a garota. Deixando o velho safado novamente por si só. E é em toda esta transgressão que gira o livro.

O caráter sórdido, negro, trágico e cômico da literatura de Charles Bukowski encontra-se em várias situações no livro, quando, por exemplo, Chinaski vê um velho que trabalhava há anos no correio ser acusado de pedofilia por uma madame louca, simplesmente porque o senhor dava bala às crianças da vizinhança. O senhor ao saber da acusação e que seria expulso do trabalho em que deu duro a vida inteira, sendo que estava bem próximo de sua aposentadoria, cai em choro desesperado, fica louco, foge e ninguém mais sabe houve falar do senhor (e o mais desprezível disso é que... ninguém se importa). Outra cena de grande enternecimento do livro é quando Henry, voltando à Los Angeles após o relacionamento com Joyce, reencontra-se com Betty, mas esta está no hospital por cirrose, e ele a vê morrendo por falta de assistência da saúde pública. Este capítulo do livro, para mim, é extremamente piedoso e emocional, quase inevitável você não engolir em seco com a miséria e desespero de tudo isso. Há também a cena quando Henry Chinaski tenta suicídio, colocando uma faca em sua garganta, mas pensando em sua filha, acaba desistindo. Uma cena trágica, porém cômica, é quando Hank está no meio do ato sexual com Joyce, houve a campainha tocar, e resolve ir atender. Ao atender, era o cara do cartório, com a papelada do divorcio requerida por Joyce, sendo que Hank nem sabia do seu pedido de separação.

Coloco Cartas na Rua como um dos meus escritos preferidos de Charles Bukowski. Os elementos que ele coloca nesse livro, e a maneira como os conta, tentando exorcizar através da literatura toda a depressão, inconstância, insanidade, angústia, euforia, embriaguez, enfermidade, loucura e boemia que fora a sua vida durante todo este período. Para você que leu Misto Quente, e quer compreender Bukowski, é essencial a leitura deste livro. E para você que não conhece nada do autor, é uma boa pedida para início, apesar de eu ainda recomendar que comece a ler a partir de Misto Quente.

Deixo aqui um pequeno trecho da obra:

“Toda noite era mais ou menos igual. Eu ia até a costa procurar um lugar para jantar. Queria um lugar caro que não estivesse muito cheio. Desenvolvi um faro pra esse tipo de lugar. Podia dizer como eram só de olhá-los para fora. Nem sempre você conseguia uma mesa com vista para o mar, a não ser que quisesse esperar. Mas ainda assim você poderia ver o mar lá fora, a lua, e deixa-se levar pelo romantismo. Aproveitar a vida. Eu sempre pedia uma salada pequena e um grande bife. As garçonetes sorriam de modo maravilhoso e ficavam paradas bem junto a você. Eu tinha percorrido um longo caminho para um cara que trabalhara em matadouros, que tinha cruzado o país com uma gangue de estrada de ferro, que tinha trabalhado em uma fábrica de biscoitos para cachorro, que tinha dormido em bancos de praça, que tinha trabalhado por uma miséria em subempregos, numa dúzia de cidades por toda a nação.Depois do jantar, eu procurava um hotel de beira de estrada. Isso também exigia rodar um pouco. Primeiro, eu parava em algum lugar para comprar bourbon e cerveja. Evitava lugares com aparelhos de televisão. Estava atrás de lençóis limpos, um chuveiro quente, fausto. Era uma vida mágica, e eu não me cansava dela.”

That’s All Folks!

Vejo vocês na semana que vem.

Indicação do Luiz A Jr.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Velho e o Mar - Ernest Hemingway


Ernest Hemingway. Cuba. 1952 e o Velho e o Mar. Estava pronta a obra que consagraria o autor ao Nobel e um livro amplamente apontado como o causador de uma nostalgia de “não-sei-de-quê”. 

Santiago era um dos pescadores mais experientes já conhecidos no Golfo, mas estava numa maré de azar e aqueles que já não se lembravam dos seus velhos tempos áureos o classificavam-no um salao, isto é, um azarento da pior espécie. Haviam se passado 84 dias desde que ele trouxera o último peixe e por esta razão ele perde seu pequeno companheiro, o menino Manolín, cujos pais não o querem ver no mesmo barco que Santiago.

Mas,

“Tudo o que nele existia era velho, com exceção dos olhos que eram da cor do mar, alegres e indomáveis”.

No 85º dia, Santiago é surpreendido por um peixe enorme, descomunal, como nunca ele viu antes em sua vida de pescador. É um espadarte (ou peixe-espada) e na luta pela sua captura o Velho e o Peixe se encontrarão e trarão as mais impactantes reflexões.

Da vida do Velho à morte do Peixe, Hemingway consegue criar um dos melhores diálogos de consciência já testemunhados pela literatura e consegue criar tal introspecção que é impossível não colocar o Velho e o Peixe de lado e pensar nas nossas próprias mãos rasgando, no tempo que passa numa velocidade sufocante e na luta que travamos com nosso próprio Peixe, que nada mais é do o passaporte para o conhecimento de si mesmo. O Velho quer matar o Peixe – e queremos expulsar nossos conflitos e vencê-los – mas é impossível não amar o Peixe e não se auto-reconhecer nos nossos obstáculos.

Nostalgia de não-sei-quê não tem explicação. Recomendo uma edição e um cheiro de livro tão velhos quanto o próprio Santiago.

“ –Mas o homem não foi feito para a derrota, disse em voz alta. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado.“Tenho pena de ter morto o peixe”, pensou o velho. “Agora é que vai ser pior e nem sequer tenho um arpão. O dentuso é cruel e habilidoso, forte e inteligente. Mas eu fui mais inteligente do que ele. Talvez não”, pensou. “Talvez fosse só por estar mais bem armado.”-Não pensei mais, meu velho, murmurou. Continue a navegar nesta direção e aceite o que lhe aparecer pela frente.“Mas eu preciso pensar”, refletiu o velho. “É tudo que me resta. Pensar [...]””

See ya todos vocês.


Indicação da Amanda.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Minha Vida - Charles Chaplin


História interessante, a minha com esse livro. Eu o surrupiei numa bela tarde depois do almoço na casa do meu avô, na paradisíaca biblioteca do seu apartamento; embora eu compartilhe aquele espaço com meu avô, puxar o livro da estante sem avisá-lo não é algo que me é muito particular. No entanto, eu o fiz e enfiei na mochila o melhor testemunho de vida e arte que já tive o prazer de conhecer.

Minha Vida é a autobiografia de Charlie Chaplin, para o qual eu realmente não dava muita importância antes de lê-lo. Digo “lê-lo” na pretensão de ter lido Chaplin através de Minha Vida, tão contundente é sua biografia. Não é um livro grande (certamente menor que Harry Potter e a Ordem da Fênix, por exemplo) e é de fácil e viciante leitura, livro que, aliás, eu recomendo a você que gostaria de se aventurar no gênero biográfico.

Sir Charles Spencer Chaplin, pra você que não o conhece, é bem mais que o ícone cult que talvez você possa ter aí na sua camiseta ou na sua agenda. Chaplin foi um ator, diretor, comediante e dançarino que acordou uma bela manhã e se tornou um dos pais do cinema, ícone do cinema mudo e da comédia pastelão. A extensão e influência de sua obra cinematográfica são vistas até hoje e Chaplin é aclamado como um ícone humano da história registrada da humanidade. Imortalizado na figura do The Tramp, Carlitos ou O Vagabundo com a bengala inquieta, o bigode à escovinha e o fraque puído, Charles nasceu em Londres em 1988, filho de pais que já trabalhavam no teatro. Enfrentou na infância a miséria e o consequente enlouquecimento de sua mãe para depois apenas se tornar um dos homens mais ricos da América num mundo devastado pela crise de 1929.

O livro cobre sua vida do início até o sossegado (e parcialmente) auto-imposto exílio na Suíça, período em que sua saúde já declinava. Eu mesma, que não me interessava completamente pela obra cinematográfica de Chaplin, ao ler o livro e conhecer como funcionou a criação e vida artística de Charlie Chaplin tive um surto cinematográfico dos mais gostosos e saí na caça de sua filmografia completa (orgulhosos 81 filmes e 35gb, faltando apenas alguns filmes que se perderam). O gênio é apaixonante, a obra incrível e o livro, o livro é um relato e um abraço de um dos grandes gênios da comédia feito de suas perfeições e imperfeições, feito de alegria e de depressão na mesma moeda.

Não cabe contar aqui a história do livro – a história de Chaplin – mas cabe frisar entusiasticamente quão facilmente Chaplin é capaz de ganhar a qualquer pessoa de qualquer idade, num simples calhamaço de folhas e filmes em preto e branco.

Segue um trecho em que Chaplin fala da produção de O Garoto, um de seus filmes mais notórios e emocionantes estrelado com o então garoto Jackie Coogan:

“Havia uma cena em que eu queria que Jackie chorasse, quando dois funcionários da Assistência aos Menores o vinham arrancar da minha companhia. Eu lhe contei toda a sorte de histórias comoventes, mas Jackie continuava alegre e cheio de picardia. Depois de uma horade tentativas baldadas, seu pai me disse:- Eu o farei chorar.- Não vá me assustar o menino, nem bater nele – observei, com sentimento de culpa.- Oh, não, não – disse o pai.Jackie estava com o espírito tão jovial que eu não tive coragem de acompanhar a intervenção de seu pai e, por isso, fui para o meu camarim. Alguns momentos depois ouvi o choro e os gritos de Jackie.- Ele está pronto – disse o pai.Era a cena em que eu tomava o menino dos funcionários da Assistência aos Menores e, enquanto ele chorava, eu o abraçava e beijava. Quando a cena terminou, perguntei ao pai:- Como você o fez chorar?- Apenas dizendo que, se ele não chorasse, os funcionários o levariam, de verdade, para o Asilo de Menores…Voltei-me para Jackie, tomei-o nos meus braços e consolei-o. Suas bochechas ainda estavam banhadas de lágrimas.- Eles não vão levar você – disse-lhe eu.”

Minha Vida ganhou uma adaptação para o cinema em 1992 chamada criativamente de “Chaplin”, em que Robert Downey Jr. vive Chaplin de maneira brilhante e comovente – aliás, um filme que eu particularmente adoro por trazer a magia dos bastidores de Chaplin para o colorido e para a vida nas telas e é por isso que nós dedicamos esse post ao pessoal do Cinedicas, que sempre tem as melhores indicações de filmes! (http://www.facebook.com/cinemadicas)


See ya!

Indicação da Amanda

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Cartas do Inferno – Ramón Sampedro



“Pienso que vivir es un derecho y no una obligación.”

Cartas do inferno (do original em espanhol “Cartas desde el infierno”) é um desses livros que te fazem pensar a cada página virada. Por vezes, não é uma leitura agradável porque toca em temas que muitos de nós preferimos não tocar. Cartas do Inferno, como o titulo sugere, é uma sucessão de cartas que o autor, o espanhol Ramón Sampedro foi trocando ao longo de sua vida, mas precisamente depois que sofreu um acidente que o tornou tetraplégico.

Ramón era marinheiro; um dia acabou caindo de uma rocha, num lago não muito fundo, fraturando o pescoço e ficou tetraplégico, condição essa que se estendeu de 1968 data do acidente, até 1998 quando Ramón morreu.
Cartas do Inferno não é uma biografia sobre um homem com desejo de viver ou um homem que supere as condições em que se encontra, muito pelo contrário, todas as cartas presentes no livro são na verdade o pedido suplicante de um homem que não aceita a sua própria condição de vida e pede a morte. Rámon se considera nas primeiras linhas do livro como “uma cabeça viva em um corpo morto”. Só essa frase já nos faz pensar em uma série de coisas.

Ramón, quando vivo, pediu ao estado espanhol que lhe deferisse um pedido: a sua própria morte, que alguém lhe desse veneno ou algo parecido, uma vez que ele próprio não tinha condições físicas para isso. O pedido foi negado e Ramón lutou contra a justiça, a igreja e o estado espanhol durante toda a sua vida. Abertamente ateu, o que fica claro por várias das cartas presentes no livro, Ramón defendia o direito de poder cessar com a vida, sua vida, a vida que ele não considerava digna.

Ao longo do livro, várias cartas que Ramón dirigia a opositores, amigos, jornalistas, nos são mostradas. O autor tem grande habilidade no uso das palavras, convencendo-nos sempre de que só quer que o seu pedido seja reconhecido, só quer que a sua vontade seja feita. Ele fala da morte e da vida com naturalidade, da vida como o fim de um ciclo, como não tem medo nenhum de morrer, como já se considera como um morto. Ramón não tem medo do que fala, não tem papas na língua, quer defender suas opiniões a todo custo e de qualquer forma. É um testemunho que por vezes nos faz pensar, por vezes nos faz discordar dos pontos de vista dele ou então nos faz concordar, em suma, atira-nos em situações ambíguas nas quais nunca nos preocupamos.

O ponto de vista às vezes autoritário ou mesmo exagerado, não muda a personalidade de Ramón, que no livro passa a sensação de que era um homem doce, divertido, terno, que teve a infelicidade de que algo tão ruim acontecesse com ele. Além das cartas, o livro também as intercala com alguns poemas e alguns contos, de novo sobre o mesmo tema, a oposição sobre vida e morte, falam sobre o amor, sobre o outro, sobre a busca de si mesmo.

O diretor de cinema Alejandro Amenábar, tocado pelo livro, decidiu fazer um filme sobre Ramón Sampedro, que se intitula Mar Adentro; nome que leva uma das poesias mais célebres de Sampedro. Ramón ganhou vida na tela magistralmente interpretado pelo ator Javier Bardem. O filme foca em uma biografia de Ramón, coisa que não acontece no livro, o livro funciona mais como uma forma que Ramón encontrara para dizer ao mundo suas opiniões e justificar ao estado que o que ele estava pedindo era de fato digno de atenção.

Ramón morreu em 13 de Janeiro de 1998, depois de trinta anos vivendo num inferno, do qual ele queria tanto se libertar. As Cartas que ele enviou daquele inferno são um testemunho, por vezes difícil de ler, mas sempre necessário, para se refletir sobre o que de fato fazemos aos seres humanos e até que ponto a religião consegue interferir num governo, e na vida de um homem.

Segue o trecho de um dos poemas do livro:

“A renúncia.sempre presente como um tormento,como um feitiço, pela palavra que pronunciou como o inseto que voa enlouquecido com uma idéia pelo infinito de uma obsessão.
Uma palavra, talvez perdida, sem importância,uma comparação inexata talvez,não quero saber se é premeditada, com perfídia,seja falsa ou verdadeira, me faz estremecer.
Um sensível lamento do lugar profanado onde esteve minha chama a ponto de se acender de novo com a magia de uma palavra afetuosa, de um nome saudoso,porém há chamas que mais vale não deixar renascer.
Viver é somente uma eterna renúncia e há renúncias que são impossíveis de poder explicar por exemplo, mãos amigas que doam ternura;como lhes dizer: “não quero a ternura, porque me faz sangrar”.

Indicação do Aion

[nos perderemos entre monstros, da nossa própria criação]

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Festa no Covil - Juan Pablo Villalobos


Aproximadamente quarenta e cinco minutos depois que eu havia me acomodado na cama para ler, eu terminei a última linha e fechei Festa no Covil. Alguma coisa também ficou fechada na minha garganta por um tempo. Juan Pablo Villalobos estréia no romance com o pequeno Festa no Covil e suas humildes 82 páginas. Não pense você que elas são rasas, incompletas, insuficientes ou qualquer outra coisa nesse sentido; na verdade, você leva 82 bofetadas seguidas e ainda algumas a mais nos momentos posteriores de reflexão.

Festa no Covil é narrado em primeira pessoa pelo pequeno Tochtli, príncipe herdeiro do rei do narcotráfico no México. A primeira e imediata sensação é a de estar ouvindo a história da boca de uma criança, algo que Villalobos trabalha perfeitamente ao extremo do extremo. Não há deslizes nisso, não há vozes adultas narrando a história. Pois bem. Tochtli mora em uma fortaleza no meio do nada, com o rei, Yolcault (que, aliás, o garoto está proibido de chamar de pai). O rei pode tudo e lhe dá tudo, mas nem os chapéus, nem as histórias e nem os filmes podem disfarçar a profunda solidão em Tochtli vive naquela fortaleza trancada.

O menino cresce em um ambiente totalmente ambíguo. Por um lado, Yolcault não quer que o filho veja violência em alguns filmes e tem escrúpulos com as notícias do jornal, mas por outro, joga com ele o jogo de ‘quantas balas são necessárias para alguém virar cadáver’ e o ensina a ser macho e não perdoar os ”maricas traidores”. Tochtli tem noção de que orifícios são a maneira mais eficiente de matar pessoas, mas é inocente ao ponto de achar que um chapéu de detetive lhe dá poderes de descobrir o que há nos quartos “vazios e trancados”. Nós somos assaltados pela violência diária do cotidiano do garoto, bem como pelo tesouro de sua infância – uma construção que Villalobos narra sensacionalmente, uma construção “sinistra e doce como uma caveira de açúcar”.

Segue um trecho maior que de costume, mas acho que as palavras de Tochtli são as mais apropriadas pra falar dele próprio:

“Martin Luther King Taylor foi até as jaulas armado com seu rifle. Foi primeiro até a jaula da direita e colocou a arma no coração de Luís XVI. O barulho do tiro ficou ecoando nas paredes do depósito com os gemidos horríveis do hipopótamo anão da Libéria. Mas quem chorava era Maria Antonieta da Áustria, que tinha se assustado com o barulho. Luís XVI já estava morto. Minhas pernas ficaram bambas. Esperamos até Maria Antonieta parar de gemer e Martin Luther King Taylor fez o mesmo com ela. Só que ela não morreu com um tiro só. Ela não parava quieta e os tiros não acertavam o coração. Ela só parou com o quarto tiro. Aí parece que deixei de ser macho e comecei a chorar feito um maricas. Também fiz xixi nas calças. Eu gritava tanto como se fosse um hipopótamo anão da Libéria querendo que quem me escutasse preferisse morrer pra não ter que me escutar. Eu tinha vontade de levar oito tiros na próstata pra virar cadáver. Também queria que todo o mundo fosse à extinção. Franklin Goméz veio me abraçar, mas Winston López gritou pra ele me deixar em paz.Quando me acalmei, senti uma coisa muito estranha no peito. Era quente e não doía, mas me fazia pensar que eu era a pessoa mais patética do universo.”


Indicação da Amanda.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sentimento do mundo - Carlos Drummond de Andrade


“Tenho apenas duas mãos, e o sentimento do mundo.”
As pessoas às vezes me perguntam qual é o meu autor favorito. Acho uma pergunta um pouco difícil de responder porque eu ainda não consegui ler nem a metade das coisas que eu gostaria e sei que infelizmente não conseguirei. Então arrisco responder com o nome de alguns autores que tem o meu apreço,aqueles que eu gosto mais, e é claro que um deles é o mestre Carlos Drummond de Andrade.

Lembrando que esta é uma página de indicações de livros, vou indicar a todos um dos melhores livros do Drummond, um dos maiores poetas que o mundo já conheceu, o volume “Sentimento do mundo”, que é uma coletânea de poemas publicada pela primeira vez em 1940 na qual constam diversos poemas de Drummond e podemos perceber o quão maravilhoso ele é, assim como a sua poesia.

Drummond, da terceira geração da poesia modernista, é sem dúvida nenhuma um dos maiores poetas brasileiros, inclusive essa minha afirmação só revela que ele é um dos meus escritores favoritos. Ele tem uma poesia melancólica - que fala sobre o amor por algumas vezes com algum tipo de gracejo que acaba arrancando algumas gargalhadas, por outras triste, dessas que nos deixam a refletir após terminar sua leitura e com alguma crítica social, tendo a ver com o momento que Drummond os escreveu, no contexto da segunda guerra mundial.

Quando se imagina o contexto histórico em que o livro foi publicado e quando os poemas foram escritos, o livro ganha um sabor a mais, enquanto pipocavam os ecos do fascismo e do nazismo, a guerra civil espanhola, a Segunda Guerra Mundial, o governo de Getúlio Vargas, Drummond se angústia com tudo aquilo e de alguma forma isso se reflete em sua poesia. Daí, as poesias de critica social que também aparecem no livro.

“Sentimento do mundo” é uma prova viva disso, tem tudo que Drummond tanto deixa transparecer em sua poesia, tem todos os elementos que o tornam ele tão grandioso; há uma sinceridade muito grande em tudo que ele expressa.
Há um jogo de emoção muito forte, um poeta que joga no papel tudo aquilo que nós também pensamos mas que não temos coragem de dizer. Há amor, desilusões amorosas; existe também um trabalho maior com a dor e como tentar traduzi-la em palavras.

Existem poemas que nos deixam pensando é impossível ficar indiferente ao ler “Sentimento do mundo”, arrisco dizer que é impossível não despertar um amor a Drummond quando folheamos suas páginas, quando deparamos com sua linguagem, com as coisas que ele fala, com a melancolia, por vezes quando nos deparamos com coisas simples, que acontecem conosco, mas que Drummond coloca no papel de forma tão graciosa, tão boa, tão bem feita.

É inclusive nesse livro, que um dos mais famosos poemas de Drummond aparece: “Quadrilha” que eu faço questão de transcrever na integra aqui:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história

Ao ler quadrilha não consigo imaginar uma só pessoa que não consiga enxergar um pouco de genialidade nesse poema, que mistura tantas coisas de Drummond, é simplesmente fantástico.
Bem, recomendo sempre e sempre, não só esse livro, mas qualquer poema de Carlos Drummond de Andrade. Para quem não conhece Drummond, talvez seja interessante começar com “Sentimento do mundo”. Para quem já conhece, Sentimento é uma grande coletânea e vale muito a pena ler e reler. Há sempre algo novo a ser encontrado, há sempre alguma coisa que passou despercebida da primeira vez que se leu.
Recomendadíssimo.

Como é de costume, vou colocar ao final um trecho do livro, aqui vai um trecho de “O amor bate na aorta” na minha humilde opinião, um dos melhores poemas de Drummond:


“[...]
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...”


Indicação do Aion

[nos perderemos entre monstros, da nossa própria criação]