quarta-feira, 19 de junho de 2013

A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora - Gregorio Duvivier


Eu não gosto de poesia. 

É sério, não gosto mesmo. Talvez porque eu nunca soube lê-la. Eu faço leitura dinâmica – e pra poesia, essa é a maior das desvantagens. O que eu lia (rápido demais) eu não absorvia e quando chegava na estrofe do meio já estava perdida. Dessa forma, eu sempre preferi a prosa do romance, a prosa contista e suas infinitas possibilidades passíveis de leitura dinâmica. Me julguem.

Ficou sendo um pré-requisito: se tinha espaços em branco demais dos lados da página, eu não lia. E minha vida foi prosseguindo tranquila dessa maneira até que eu passasse a notar mais um certo ator que faz parte do Porta dos Fundos, o canal de esquetes no Youtube.

O nome do ator é Gregorio Duvivier, sobre o qual eu não sabia nada. Assistindo aos vídeos como uma legítima pessoa desocupada, passei a notar devagar algumas características do humor do ator e o fantástico trabalho de atuação que eu via evidenciado em contraste com os diversos tipos de humor no coletivo.

Uma coisa puxou a outra e eu saí numa corrida desenfreada pela internet atrás do trabalho de Gregorio Duvivier. Foi então que eu descobri meu mais novo ator-favorito-de-todos-os-tempos. Assisti filmes, li resenhas, morri de raiva por ter perdido uma peça que veio há dois meses atrás pra Curitiba até que finalmente topei com a informação de que ele tinha escrito um livro.

Glória. Até eu ver que não era de prosa, era de poesia. Ê vida.

Resolvi arriscar tudo e mandar velhos preconceitos para o ar – afinal, 64 páginas não iam ser um sofrimento dos maiores – e foi a melhor decisão do mês.

Diferentemente de um humor rasgado, cômico, que traz fatos do cotidiano e que provoca aquele riso instantâneo do qual não é possível escapar, Duvivier traz na sua carreira uma vibe diferente: um humor agridoce e nonsense, contrastado com a tristeza e as suas infinitas possibilidades de variação e criação.

A verve bem chaplinesca (que se façam todas as reservas) do humor do cara me agarrou de jeito e não teve mais solução. “A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora” reflete nas suas 64 páginas justamente todo um humor agridoce e reflexivo, que te faz ler cada poema de novo e de novo, e depois o livro, milhares e milhares de vezes, até que você se sinta desesperado e saia numa busca insana por um exemplar pra chamar de seu.

É evidente que eu não entendo porra nenhuma de poesia. Não sei o que são sonetos nem me interesso pelo movimento [insira um nome aqui]. Foda-se. E eu acho que é justamente aí que nasceu o meu encanto por essa poesia em particular, que apesar de guardar todas as suas características técnicas e de receber influência de diferentes movimentos, também consegue se expressar numa beleza doce, de um jeito que te faz soltar aquele riso no canto da boca, de querer descer a escada e declamar o livro pra sua mãe.

Do hilário ao filosofia de vida, da melancolia ao sorriso, alguns poemas podem te fazer bem às três da manhã de uma quarta-feira mesmo quando tudo está errado. Se está tudo errado e faltam apenas os poemas, eu sugiro os de Duvivier.

E eu sinceramente queria transcrever todos, andar com o livro pendurado no pescoço, copiar e colar na carteira, na parede, na janela do ônibus. Mas eu só vou transcrever um porque estou com preguiça.

“o meio de todas as coisas
entre o fim do começo e o começodo fim toda coisa tem uma massainerte feito ponte pela qualpassamos distraídos – ou não:os astecas sentiam chegar o exatomomento do meio da vida, o momento em queo que já vivemos é exatamenteigual ao que ainda não vivemos- e nesse momento preciso o maiscomum dos astecas sentia uma súbitae inexplicável vontade de tomar um tremmas como ainda não o tinham inventadoele acabava por entristecer-se.(daí a tristeza, essa vontade de algoque ainda não inventaram)”

Indicação da Amanda
[não tenho nada pra por entre colchetes no dia de hoje]

sexta-feira, 7 de junho de 2013

O Quieto Animal da Esquina, de João Gilberto Noll -- Rocco, 1991; Francis, 2003



“Encontrei um bicho horrível debaixo do fogão. Poderia ser uma aranha mas mais se assemelhava a um verdugo. Eu estava ajoelhado e o esmaguei com a base do lampião.”

Um poeta marginal de dezenove anos que perambula pelas ruas de Porto Alegre, sem dinheiro no bolso nem perspectivas de vida que não a exclusão social. Abandonado pelo pai, mora num edifício abandonado com sua mãe, assim como mais umas tantas famílias.

Após sua mãe o deixar sozinho para ir morar em outra cidade, acaba condenado por um crime e vai para uma instituição correcional. Fica lá por algum tempo (não sabe quanto) e chega a hora de sair. Quando vai embora, entretanto, é adotado por uma casal de alemães que vive um pouco mais no interior do estado gaúcho e passa a viver sob os cuidados dessa nova família, que não lhe exige nada em troca.

Escrito em capítulo único e em primeira pessoa, Noll dá vida à um personagem que está confuso com sua própria vida e que não percebe a velocidade com a qual ela passa. De repente se dá conta e alguns anos ficaram pra trás, causando uma sensação de estranheza no leitor, como que fazendo uma não-linearidade disfarçada. A linguagem usada por ele também é típica dos jovens marginais, ao mesmo tempo seca e lírica, com frases longas que seguem a linha de raciocínio imediatista do jovem protagonista anônimo.

Muitas vezes ele não entende até onde vai sua liberdade dentro de sua nova casa. Ao mesmo tempo que se sente acolhido, se sente um intruso naquele lugar. Tenta se aproximar, mas sem chegar perto demais. E anota tudo mentalmente, pra talvez depois escrever um poema. Descreve os sentimentos alheios com muito mais precisão que os seus, percebe a raiva causada pela morte, seguida pelo desamparo, ficando sem reação, a não ser seguir seus instintos, meio certeiro, meio desconfiado, como um bicho cabisbaixo que sabe a hora de vir e a hora de ir embora, dizendo muito mais com os silêncios do que com grunhidos.

Como sempre, um trecho:

“O que ele fazia ali, na cozinha, com os braços sobre a mesa, a luminária baixa aclarando principalmente as mãos de veias dilatadas, o que ele fazia ali àquelas horas da noite quando cheguei no casarão, o que fazia ele, Kurt, como eu nunca o tinha visto, parecia que tinha como que encolhido, sim, ele antes tão imponente agora um homem todo acanhado no tamanho, ali sentado na cozinha debaixo da luminária baixa, ah, havia um copo, mais adiante a garrafa de uma cachaça chamada Isaura, ao lado uma de coca-cola, vazia, viva o samba-em-berlim rosnei, peguei o guardanapo de papel com o poema que eu guardava no bolso desde o embarque no Galeão, ainda não me ocorrera um nome para ele, me perguntei se “O quieto animal da esquina” não seria o título que aquele poema estava pedindo, Kurt veio com olhos para mim, levantou o copo como se me saudasse, ah, ele estava bêbado, não sabia o quanto, apenas o silêncio daquele copo na mão, eu na porta da cozinha pensando ser a primeira vez que via Kurt bêbado, fiquei pensando na porta da cozinha se eu queria realmente entrar, continuar a farsa que agora se desfraldava assim, Kurt segurando trêmulo o copo no alto, me saudando, eu não o suportaria bêbado, Kurt não, a noite estava por um fio, eu pressentia, aquilo que eu observava era um convite,(...)” 

Indicação do Guilherme
[parangaricutirimírruaro]