quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Cartas na rua - Charles Bukowski


“tudo começou com um erro”

É exatamente com estas palavras que Charles Bukowski inicia o seu primeiro romance publicado, e apesar de até então já ter escrito diversos contos e poemas, é com este livro que começa a fase de notoriedade comercial.

Aproveitando a foto da página desta semana, e também o fato de que a resenha de “Misto-Quente” trouxe relativo sucesso, resolvi trazer para vocês mais uma resenha do velho safado.

Em Cartas na Rua, Bukowski, usando o seu alter ego Henry Chinaski, disserta de forma altamente autobiográfica sobre os cerca de 15 anos em que trabalhou pelo correio estadunidense, em paralelo à fatos ocorridos em sua vida durante este período. Problemas amorosos, psicológicos, embriaguez, noites inacabáveis e completamente insuportáveis.

Tudo começa quando Henry Chinaski, depois de passar por diversos empregos em indústrias e comercio, resolve trabalhar temporariamente para os correios estadunidenses para ajudar na distribuição de cartões no período natalino, mas por lá acabou ficando. O inferno começa quando Hank (uma das alcunhas de Bukowski) é transferido para outra agencia, onde seu superintendente torna-se um verdadeiro carrasco em sua vida, fazendo as piores rotas para Chinaski, e não avisando a ele sobre perigos do caminho (como cachorros ou criminalidade). Durante este período, Hank namorava com Betty, uma mulher mais velha que segundo a vizinhança, o sustentava. Pois bem, o pedido de divórcio de Betty não veio muito depois.

Apesar de diversas desavenças com o correio, inclusive pedidos de demissão e pedidos de readmissão, Chinaski fica por lá por cerca de 15 anos, 3 deles trabalhando como entregador e o resto como escriturário. Após a primeira demissão, Hank resolve fugir com Joyce, de pais ricos e com belas fazendas, porém ele fica louco. No Texas (cidade para onde vai morar com a garota) ele é visto pela população local como o cara que conseguiu dar um golpe do baú, sem falar que é sempre completamente sacaneado pelos pais e avô da garota (este tentando inclusive subornar Hank para largar Joyce). Após a tentativa em alguns empregos, Hank percebe que o correio está contratando novamente, mas dessa vez um trabalho noturno como escriturário. Bah, ótimo! Ele já sentia dificuldades pra dormir, trabalhar em algo noturno seria tudo certo. O problema é que para manter esse emprego Chinaski precisava fazer testes com certa frequência, para testar se seu desempenho continuava na medida do que os correios requeriam e por consequência, vivia com a constante preocupação de perda do emprego e passava semanas treinando para os testes.

Após certo tempo, brigas e brigas, Joyce conhece um cara em seu trabalho, e deixa Hank de uma maneira completamente cômica e desalmada. Chinaski então resolve voltar pra Los Angeles, e lá conhece uma hippie um pouco louca, e acontece aquela que foi, provavelmente, a coisa mais essencial de sua vida, e junto com a escrita, foi o que lhe manteve vivo por tanto tempo: nasce Marine, Bukowski tem uma filha. Mas o relacionamento com a hippie não durou muito, e esta largou Hank e fugiu com a garota. Deixando o velho safado novamente por si só. E é em toda esta transgressão que gira o livro.

O caráter sórdido, negro, trágico e cômico da literatura de Charles Bukowski encontra-se em várias situações no livro, quando, por exemplo, Chinaski vê um velho que trabalhava há anos no correio ser acusado de pedofilia por uma madame louca, simplesmente porque o senhor dava bala às crianças da vizinhança. O senhor ao saber da acusação e que seria expulso do trabalho em que deu duro a vida inteira, sendo que estava bem próximo de sua aposentadoria, cai em choro desesperado, fica louco, foge e ninguém mais sabe houve falar do senhor (e o mais desprezível disso é que... ninguém se importa). Outra cena de grande enternecimento do livro é quando Henry, voltando à Los Angeles após o relacionamento com Joyce, reencontra-se com Betty, mas esta está no hospital por cirrose, e ele a vê morrendo por falta de assistência da saúde pública. Este capítulo do livro, para mim, é extremamente piedoso e emocional, quase inevitável você não engolir em seco com a miséria e desespero de tudo isso. Há também a cena quando Henry Chinaski tenta suicídio, colocando uma faca em sua garganta, mas pensando em sua filha, acaba desistindo. Uma cena trágica, porém cômica, é quando Hank está no meio do ato sexual com Joyce, houve a campainha tocar, e resolve ir atender. Ao atender, era o cara do cartório, com a papelada do divorcio requerida por Joyce, sendo que Hank nem sabia do seu pedido de separação.

Coloco Cartas na Rua como um dos meus escritos preferidos de Charles Bukowski. Os elementos que ele coloca nesse livro, e a maneira como os conta, tentando exorcizar através da literatura toda a depressão, inconstância, insanidade, angústia, euforia, embriaguez, enfermidade, loucura e boemia que fora a sua vida durante todo este período. Para você que leu Misto Quente, e quer compreender Bukowski, é essencial a leitura deste livro. E para você que não conhece nada do autor, é uma boa pedida para início, apesar de eu ainda recomendar que comece a ler a partir de Misto Quente.

Deixo aqui um pequeno trecho da obra:

“Toda noite era mais ou menos igual. Eu ia até a costa procurar um lugar para jantar. Queria um lugar caro que não estivesse muito cheio. Desenvolvi um faro pra esse tipo de lugar. Podia dizer como eram só de olhá-los para fora. Nem sempre você conseguia uma mesa com vista para o mar, a não ser que quisesse esperar. Mas ainda assim você poderia ver o mar lá fora, a lua, e deixa-se levar pelo romantismo. Aproveitar a vida. Eu sempre pedia uma salada pequena e um grande bife. As garçonetes sorriam de modo maravilhoso e ficavam paradas bem junto a você. Eu tinha percorrido um longo caminho para um cara que trabalhara em matadouros, que tinha cruzado o país com uma gangue de estrada de ferro, que tinha trabalhado em uma fábrica de biscoitos para cachorro, que tinha dormido em bancos de praça, que tinha trabalhado por uma miséria em subempregos, numa dúzia de cidades por toda a nação.Depois do jantar, eu procurava um hotel de beira de estrada. Isso também exigia rodar um pouco. Primeiro, eu parava em algum lugar para comprar bourbon e cerveja. Evitava lugares com aparelhos de televisão. Estava atrás de lençóis limpos, um chuveiro quente, fausto. Era uma vida mágica, e eu não me cansava dela.”

That’s All Folks!

Vejo vocês na semana que vem.

Indicação do Luiz A Jr.

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