segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Vigário - Rolf Hochhuth


“ATO V – AUSCHWITZ OU A PERGUNTA FEITA A DEUS
CENA 1
O palco deve estar o mais escuro possível. E o estaria por completo, se não se divisasse o posto da guarda à esquerda, no primeiro plano.Torna-se desde logo evidente, pelo efeito sonoro, que os monólogos são recitados ou “pensados” no interior do trem, sem que os recitadores apareçam. Ouve-se o ruído de um trem de carga em movimento, que depois pára. A lívida luz da alvorada ilumina parcamente a cena, de modo a tornar só visíveis as silhuetas dos deportados, completamente amontoados no fundo, à direita, entre malas, cestas e embrulhos. Por enquanto, não haverá nenhum outro efeito realista, como choro de crianças, conversas, etc., a não ser a batida monocórdica das rodas nos trilhos da estrada de ferro, a qual deve persistir também durante a recitação dos monólogos.MONÓLOGOSO VELHO:Não quero morrer no vagão nem aos olhos de meus netos. Há tanto tempo a angústia esvaeceu suas faces, truncou suas perguntas! Eles sentiam o que eu sei agora – que o fim desta jornada é também o nosso fim. Em toda parte e onde quer que seja, ó Deus Terrível, o Céu sempre nos cobre, e também são os carrascos homens que houveram em Vós o seu poder. Também Vós vedes, Senhor? Sim, também haveis de ver...Tão fiel Vos servi, entre tantos que Vos negam, tão certo estava eu da Vossa onipotência! Como poderia imaginar, ó Deus Inconcebível, que também aqui obraria a Vossa mão? Não era o meu consolo na velhice crer que ninguém Vos arrancaria do timão?É esta fé em Vós que me destrói!Eu Vos advirto pelo Vosso Nome: não mostreis vossa grandeza incinerando crianças ante as mães, para que ouçais repetir Vosso nome nos gritos torturados! Quem poderá ver no fumo das fornalhas um presságio de ressurreição? Ó Deus Infinito... ser-Vos-á mais semelhante que o homem se acaso não tiver também limites?Estará ele em tal abismo de maldade porque o moldaste à Vossa própria Imagem?Já não posso ter cólera, nem orar. Ó Deus Funesto, agora eu só Vos posso implorar: não me deixeis morrer neste vagão, nem diante dos olhos dos meus netos.”Decidi começar a resenha pelo trecho hoje porque é um trecho bastante comprido e impactante; tem exatamente o propósito de ambientar o livro e chamar a atenção para ele. Rolf Hochhuth é um alemão nascido em 1931 e que observa os acontecimentos de suas duas primeiras décadas de vida jovem demais para tomar um partido. É justamente por essa razão que ele, na idade adulta, atormenta-se com a idéia de que poderia ter escolhido o lado nazista e busca compreender, por esse motivo, o que deu errado com a história de seu país.

Nessa pesquisa, o autor esbarra com a total omissão do Vaticano (como instituição na figura do Papa) na questão da deportação dos judeus, que eram levados pelas tropas da SS mesmo debaixo dos muros do Vaticano em Roma. A partir daí, Rolf escreve a peça como uma crítica profundamente embasada na história, que como sempre, era composta de dois opostos: a total omissão e porque não, frieza do Papa Pio XII, que preferiu manter as relações políticas estáveis com Hitler e Mussolini ao invés de fazer um pronunciamento contra a deportação de judeus – o que seria altamente significante, uma vez que um alto número de soldados alemães era católico – e a compaixão de alguns ministros menores, representados pelo personagem padre Ricardo, que se desespera quando tem notícias do horror que vem acontecendo e coloca toda a sua fé e força para ajudar aqueles que considera seus irmãos na Terra, ou ainda dos conventos e seminários que eram imunes à fiscalização alemã e permaneciam lotados com judeus refugiados.

Não vejo extrema necessidade de delinear aqui o enredo, porque já acredito que a proposta é demais interessante. Quanto à peça, ela é bastante variada em cenários e personagens, passando pelo alto escalão da SS, o campo de concentração de Auschwitz e os salões do Vaticano. A edição no Brasil conta com um anexo histórico, em que o próprio autor expõe a pesquisa que realizou e faz considerações políticas sobre como a Igreja se portou na época e ainda sobre o Holocausto em si.

O Vigário é uma leitura pouco popular – lamentavelmente – e muito voltada ao pensar. Não deixe que passe a oportunidade de se comover e porque não, se informar com um pedaço de sua própria história.

Esse foi o melhor livro do meu ano de 2012. Ele não é encontrado novo em livrarias, mas com certeza uma biblioteca municipal ou sebos devem tê-lo no catálogo.

See ya.
Indicação da Amanda

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