segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Fahreinheit 451 - Ray Bradbury


Burning burning burning burning. Não, essa não é a nova música da Britney Spears. Essa é a sensação que Fahrenheit 451 deixa em rastro pelo seu cérebro quando você vira a última página. Não se surpreenda se não conseguir interpretá-lo muito bem nas primeiras horas após o fim da leitura.

É com queima que começa Fahrenheit 451. Nosso protagonista é Guy Montag, um bombeiro de uma sociedade futurística e distópica. À semelhança de Admirável Mundo Novo, essa sociedade não é uma sociedade suja, faminta, morta. Todos vivem muito bem, obrigado. Há trabalho, tecnologia e diversão; não há espaço para a melancolia. Um exemplo disso é apresentado logo no começo do livro, através de Mildred, esposa de Montag. Ela vive em uma realidade absolutamente paralela: viaja através de fones de ouvido que criam outro mundo alucinógeno através de combinações de sons e tem a sala de estar forrada com 3 grandes telas nas quais seus “parentes” – atores que criam uma programação personalizada e conversam com o proprietário das telas – lhe fazem companhia o dia inteiro. Além disso, usa pílulas para dormir, preocupa-se com pouco ou nada e sua memória é suficientemente curta para que nada possa a aborrecer.

Ao escrever o livro, Ray Bradbury estava preocupado com a avalanche tecnológica do entretenimento e com medo de que ela pudesse sufocar as relações sociais e a interação corpo a corpo. Esta é, aliás, uma das características que assegura que você está lendo um bom romance de ficção distópica: ele não perde sua atualidade e possibilidade de realização.

No entanto, não é essa a sacada brilhante de 451. A sacada brilhante é ter mudado o que significa ser bombeiro; os bombeiros não apagam mais incêndios – eles os provocam. Com o advento das casas à prova de fogo, os bombeiros perderiam a função de ser se naquela sociedade os livros não tivessem sido proibidos.
Sim, exato. Os bombeiros queimam livros. E você está lendo uma história em que os livros são tão criminosos para serem queimados num livro. Se isso não for suficiente para começar o nó na sua cabeça, calma que vem mais.

Montag é um bombeiro que após conhecer sua nova vizinha, Clarisse – que tem um estranho costume de olhar as pessoas nos olhos, propor uma conversa e sugerir que Montag deveria olhar mais para o céu – que atravessa uma séria crise ideológica. Há um problema quando um bombeiro se sente tão tentado a saber finalmente, porque as pessoas se apegam tanto aos seus livros e tentam evitar a todo custo que sejam descobertos e queimados.

A proposta é genial. Não quero mais falar do enredo; prefiro dar atenção a certos detalhes que tornam a obra mais crítica e interessante. Pulo o enredo porque ele é um pouco previsível, e isso é uma das margens de conforto do livro. Bradbury trabalha tão bem a capacidade de nos confundir através do uso insistente de metáforas, lapsos captados de Montag e de relances daquela sociedade que se o roteiro não fosse previsível, criaria uma história que nos deixaria a prontos a pular da primeira sacada possível.

O elemento mais interessante do livro é ir pelo caminho contrário ao sentimento da maioria das pessoas que lêem futuro distópico - note que eu disse dos leitores e não das obras. Bradbury não está preocupado em incendiar em você o desejo por combater essa realidade e libertar os livros, cessar a alienação. Ele questiona durante o livro todo, através da total angústia em que Montag se encontra desde de que passou a tomar contato com livros e idéias aversas àquilo em que acreditava, se realmente precisamos dessa angústia. Se não estaríamos, na verdade, bem mais confortáveis com os livros queimados. Se não somos afinal, obrigados a sofrer tudo que a melancolia, a dúvida e os questionamentos que a filosofia e a poesia trazem.

Se não podemos ter apenas um pouquinho de certeza.
A questão é assustadora. Ela vai contra tudo que aprendemos sobre alienação, mídia, entretenimento e coloca-nos para pensar em como o outro lado da moeda pode ser também extremamente interessante - e num toque de ousadia – válido.

A vontade de colocar mais de um trecho que daria a amplitude daquilo que Fahrenheit 451 fala é imensa. Mas como é de praxe, eis apenas um e um dos mais significativos.

"- Por sorte, esquisitos como ela são raros. Sabemos como podar a maioria deles quando ainda são brotos, no começo. Não se pode construir uma casa sem pregos e madeira. Se você não quiser que se construa uma casa, esconda os pregos e a madeira. Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso. Paz, Montag. Promova concursos em que vençam as pessoas que se lembrarem da letra das canções mais populares ou dos nomes das capitais dos estados ou de quanto foi a safra de milho do ano anterior. 
Encha as pessoas com dados incombustíveis, entupa-as tanto com "fatos" que elas se sintam empanzinadas, mas absolutamente "brilhantes" quanto a informações. Assim, elas imaginarão que estão pensando, terão uma sensação de movimento sem sair do lugar. E ficarão felizes, porque fatos dessa ordem não mudam. Não as coloque em terreno movediço, como filosofia ou sociologia, com que comparar suas experiências. Aí reside a melancolia. 
Todo homem capaz de desmontar um telão de tevê e montá-lo novamente, e a maioria consegue, hoje em dia está mais feliz do que qualquer homem que tenta usar a régua de cálculo, medir e comparar o universo, que simplesmente não será medido ou comparado sem que o homem se sinta bestial e solitário. Eu sei porque já tentei. Para o inferno com isso! Portanto, que venham seus clubes e festas, seus acrobatas e mágicos, seus heróis, carros a jato, motogiroplanos, seu sexo e heroína, tudo o que tenha a ver com reflexo condicionado. Se a peça for ruim, se o filme não disser nada, estimulem-me com o teremim, com muito barulho. Pensarei que estou reagindo à peça, quando se trata apenas de uma reação tátil à vibração. Mas não me importo. Tudo que peço é um passatempo sólido."

See ya.

Indicação da Amanda

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