sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

José – Carlos Drummond de Andrade


“E agora, José?”

Pois muito bem. José, de Carlos Drummond de Andrade é a minha indicação desta semana, e devo dizer que não é particularmente uma resenha muito fácil de fazer. Já é sabido, não só se você acompanha a página, mas se leu alguma das outras indicações que eu fiz que: 1º Eu sou apaixonado por literatura brasileira. 2º Drummond era um gênio (ok, essa é a minha opinião).


José, em uma edição LINDA (e acho que aqui cabia outro adjetivo, mas estou sem criatividade) da Companhia das Letras chegou até as minhas mãos ano passado, e nela são doze poemas e são publicadas pela primeira vez em uma edição separada; anteriormente os doze eram anexados aos outros livros de Drummond em uma sessão intitulada José.

Lançar uma edição separada desses doze poemas, que tanto tem a ver um com outro, e na minha modesta opinião fazem parte da parte mais representativa da obra de Drummond, significa separar e isolar a leitura de Drummond, de maneira fantástica, aliás, divisão esta já proposta pelo autor.

Mas chega de lenga-lenga, estou aqui para indicar o livro, e a minha intenção é que quando você chegue ao final das minhas palavras você pense: “Puxa, preciso urgentemente ler esse livro”. Como já dito, são doze poemas, o que faz com que o livro seja daquelas leituras, que se duplicarão e triplicarão ao final. Assim como a minha indicação de semana passada Noite na Taverna. É claro que José tem um sabor a mais, por se tratar de uma reunião de vários poemas de Drummond, o leitor pode ter mil e uma interpretações a cada poema que lê, e a segunda leitura pode suscitar outra e outra e outra. Inclusive, não importa quantas vezes você abra José, sempre vai encontrar algo que não viu na última leitura, e isto minha gente, chama-se boa literatura.

Lembrando toda a vida de Drummond, o fato de o poeta estar inserido na terceira geração do modernismo, ter vivido no período da segunda guerra mundial, e falar de todos aqueles temas, angústias e dificuldades da época, fazem com que cada poema que você lê te deixe a pensar, o poeta já fez isso, inclusive, muito bem por sinal no seu livro O Sentimento do Mundo. O que difere José de O Sentimento do Mundo, no entanto, é tom impessoal que Drummond adota, a linguagem com a família, os poemas sobre como o poeta escreve, e é claro o poema máximo de Drummond, o mais famoso, que dá titulo ao livro: José.

Me reservo o direito de fazer um comentário a parte sobre o poema, arriscando inclusive comentar alguns trechos que serão transcritos para cá. Porque isso? Porque José, é perfeito, em todos os níveis, seja no uso das palavras, seja na interpretação que ele suscita.
Primeiro, a pergunta “E Agora, José?” que se repete pelo poema, virou um coringa do português do Brasil, não raro, quando alguém não sabe muito bem o que fazer usa a expressão, que ganha a força até de ditado popular. Comentário adjacente e desnecessário, mas farei assim mesmo: Cid Moreira, na época da morte de Carlos Drummond de Andrade, encerrou o Jornal Nacional com a frase, ao invés do seu característico Boa Noite, de mais de 30 anos comandando a atração; se eu não estiver enganado foi a única vez que o jornalista encerrou o jornal sem dizer a famosa saudação que.

[E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?]

O José do poema de Drummond, é um cara que esta literalmente ferrado (e estou sendo politicamente correto ao ocultar o palavrão que você pensou), ele não tem saída, não tem nada que ele possa fazer, o José, aliás nome comum no Brasil, pode muito bem representar o povo brasileiro, que também se vê em conta com tantos problemas e a certeza de não poder e nem conseguir resolver nenhum deles.

[Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!]

Nesta outra parte do poema, Drummond faz uma brincadeira com a repetição do s, e mesmo que você não faça faculdade de Letras com o cidadão que está escrevendo essa resenha, você consegue perceber que toda essa repetição dá uma sensação de continuidade, e olhando as palavras, continuidade do sentimento do José, que aliás ainda encontra-se ferrado por todo poema. Quando a repetição é quebrada na frase “Mas você não morre”, serve para confirmar, que além do José estar completamente sem saída, ele não morre, ele não desiste, ele é forte.

Poderia destrinchar ainda mais uma análise do poema, mas não vou fazer isso pelo simples motivo de que você aí, atrás da tela do computador, o faça, corra e leia o poema, e encontre por si mesmo todas as razões para achá-lo simplesmente genial.


Além desse poema, advirto que os poemas “o lutador” que fala sobre a criação poética, assim como “palavras do mar” são daqueles que você termina de ler, e recomeça, recomeça, num looping infinito onde sempre se encontram coisas novas, e os dois poemas que eu destaco como os melhores do livro, depois de José evidentemente.


Bem espero que você tenha sido convencido, apesar de serem somente 12 poemas, 12 fantásticos poemas, José é simplesmente um livro fantástico e merece com certeza uma leitura, uma releitura, e até mesmo uma resenha. Último item cumprido, chamo você para fazer os outros dois; que tal?


“Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
[...]
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto.”


Indicação do Aion.


[chega de chegar, depressa é muito devagar]

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