sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A Vida como ela é... – Nelson Rodrigues


Desde a minha segunda, talvez terceira resenha, aqui para a Posso te indicar um livro? tomei o costume, assim como a Amanda e o Junior, de fazer pequenas tradições, comuns a todas as resenhas, como vocês devem ter percebido. Todos nós terminamos a resenha com uma citação do livro indicado, e depois uma frase que se repete ao final de cada resenha. O Junior tem o costume de colocar o ano e a edição do livro resenhado, a Amanda, não se deixando levar pelos rodeios, vai direto ao ponto. Eu, por outro lado, antes do titulo do livro resenhado sempre trago uma frase, algo que remeta ao livro como um todo. Bem, quando decidi fazer a resenha que lhes apresento nessa semana, descobri que conseguir uma frase que remeta ao livro que estou resenhando como um todo foi impossível, e logo, vou abandonar essa tradição essa semana. E mais a frente, querido leitor, você vai entender porque esta simples frase, tradição semanal, não foi possível de ser completada.

Bem, antes de começar a resenhar, e você deve estar adorando chegar no segundo parágrafo onde eu não disse nada de produtivo, e agora deve estar querendo me matar, se acalme, meu lenga-lenga tem uma razão de ser, e agora que você se acalmou vou abrir um parênteses. Devo dizer que eu adoro centenários, aniversários de morte, e coisas desse tipo, de autores que eu gosto e infelizmente já se foram a muito tempo. Não, eu não sou dado a morbidez, mas essas ocasiões fazem com que os nomes dos referidos autores ganhem notoriedade, e por consequência, ocorrem relançamentos (ou lançamentos inéditos) de suas obras. O mesmo ocorre quando essas obras são lembradas por algum diretor de cinema, e aí meu caro, nós, os amantes dos originais vamos a falência...

Pois bem, com o centenário de Nelson Rodrigues, a editora Nova Fronteira trouxe às livrarias a obra em prosa do gênio dramaturgo, e este humilde senhor que vos escreve chegou a comprar o livro A Vida como ela é..., uma reunião de 100 crônicas que Rodrigues escreveu para o jornal A Última hora, a pedido de Samuel Wainer (informação que eu estou roubando descaradamente da orelha do livro). Nelson Rodrigues já era famoso nessa época, já havia presenteado o mundo com obras de alto valor critico, sem papas na língua, e mostrando coisas que a sociedade faz, mas por variados motivos teima em esconder.

Agora depois de três parágrafos, estou finalmente fazendo o que você acha que eu devia ter feito desde o inicio, resenhando o livro. Ok, então vamos lá. A referida edição da Nova Fronteira, reúne 100 crônicas, publicadas originalmente no jornal, e que eu garanto, são lidas num piscar de olhos, talvez dois. Tudo, absolutamente todas as boas qualidades da literatura genial pensada por Nelson Rodrigues está em A Vida como ela é... E como o próprio titulo sugere, são histórias, que meu caro leitor, acontecem, acontecem o tempo todo, com pessoas que conhecemos, com desconhecidos, com o vizinho de cima, o amigo da rua de baixo, o padeiro, o dono do botequim, o amigo da melhor amiga do seu pai... São histórias, crônicas, de gente aparentemente comum, aparentemente acima de qualquer suspeita, aparentemente pessoas que fingem que são aquilo que na realidade elas não são. Para Rodrigues, parece-me, que trata-se do retrato da sociedade como ele a via, a sociedade como ela é, e aí meu caro leitor, não espere eufemismos, ou falsos moralismos, nosso amigo Nelson articula muito bem com as palavras e apresenta personagens críveis, vivendo tragédias pessoais, que vão desde assassinato, traição, adultério, mentiras.

Nada disso surge do nada, Rodrigues está fazendo, e muito bem por sinal, um retrato de uma sociedade que age dessa forma, e que esconde, e essa parte do esconder é o que Nelson trabalha mais em cada crônica.

Na literatura dita “rodriguiana”, isto tudo é muito comum, porque como eu já disse Nelson Rodrigues está fazendo uma critica a uma sociedade que age daquela forma. Ele apenas apresenta a nós, o que nós por diversos motivos as vezes fechamos os olhos e não queremos ver. São histórias curtas, com pitadas de humor negro, pitadas de ironia, bem construídas, com personagens bem desenhados, retratos perfeitos de seres humanos que poderiam perfeitamente existir entre nós, e que de certo modo, até existem.
Agora, espero eu, você que não conhecia, ou que leu uma crônica ou outra do referida coleção, esta doido para comprar o seu exemplar, tipo agora mesmo, então aqui vai o link do dito cujo:http://migre.me/dgwKr

Então, agora que a resenha se aproxima do final, e por conta da grandiosidade, não só desse livro, mas de toda a obra de Nelson Rodrigues, talvez você consiga entender porque eu fui obrigado a quebrar uma tradição comum a todas as minhas resenhas, é muito difícil achar uma frase, alguma simples frase, que remeta as crônicas de A Vida como ela É... Simplesmente porque é impossível traduzir a genialidade desta obra em uma frase. É impossível inclusive fazer uma resenha decente de algo tão visionário. As crônicas, jogam tudo na sua cara sem medo de te ofender. Cada uma, apresenta uma história comum, porém cheia de coisas horríveis, inerentes ao ser humano, a sociedade, a uma sociedade hipócrita que finge ser uma coisa que não é. A coragem de Nelson Rodrigues é outro ponto a favor.

Acho que me estendi demais, mas então, esta é a minha indicação nessa sexta feira, e eu espero, que você se interesse, que você reflita e principalmente que leia além das entrelinhas, que aproveite ao máximo o texto maravilhoso de Nelson Rodrigues, e um salve a editora Nova Fronteira, que lançou essa edição coisa mais linda, que aliás eu já linkei e também está na foto desta resenha.

Ah, também quero comentar, que a Rede Globo fez uma série muito boa sobre as crônicas no anos 90, você facilmente encontra em DVD, mas melhor ainda você também encontra no youtube e eu deixo o link, para uma das crônicas aqui:http://migre.me/dgxvX , nos vídeos relacionados você encontra as demais.

Por fim, a tradição me manda colocar um trecho do livro indicado, e esta tradição eu não preciso quebrar, apesar de que, escolher um único trecho vai ficar difícil. Mas, vou fazer este sacrifício. Trago a vos, o trecho da crônica “A Dama do lotação” Uma das minhas favoritas de todo o livro.

“ Solange espantada atendeu. Assim que ela entrou, Carlinhos fechou a porta, à chave. E mais: pôs o revólver em cima da mesa. Então, cruzando os braços, diante da mulher atônita, disse-lhe horrores. Mas não elevou a voz, nem fez gestos:- Não adianta negar! Eu sei de tudo!E ela, encostada na parede, perguntava:- Sabe de quê, criatura? Que negócio é esse? Ora veja!Gritou-lhe, no rosto, três vezes a palavra “cínica”! Mentiu que a fizera seguir por um detetive particular, que todos os seus passos eram espionados religiosamente. Até então não nomeara do amante, como se soubesse de tudo, menos a identidade do canalha, Só no fim apanhando o revólver, completou:- Vou matar esse cachorro do Assunção! Acabar com a raça dele!A mulher, até então passiva e apenas espantada, atracou-se com o marido, gritando:- Não, ele não!Agarrado pela mulher, quis se desprender, num repelão selvagem.Mas ela o imobilizou com um grito:- Ele não foi o único! Há outros! ”.

Indicação do Aion
[chega de chegar, depressa é muito devagar]

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