“Esta é a história do encontro de dois homens brancos solitários, magros e relativamente velhos em um planeta que estava morrendo rapidamente.”
Tragicômica. Talvez seja esta palavra que posso usar para definir a obra de Kurt Vonnegut. Aliás, começando pelo autor, Kurt é um maluco que, após se formar em Química e ser veterano da Segunda Guerra Mundial, resolveu começar a escrever, alimentando ainda mais a sua insanidade.
Insanidade é o que vemos em Café da Manhã dos Campeões. “Um livro divertido do qual é proibido rir, triste que não pode chorar”, a começar pelo primeiro aspecto: o livro é direcionado a alienígenas. Sim, eu sei o que você está pensando. E para explicar aos alienígenas os aspectos da Terra e da humanidade, Vonnegut utiliza recursos de explicação absolutamente simples, secos, óbvios e cínicos. Aquilo o que realmente é. Um extremo humor sarcástico, uma sacada genial. O próprio autor desenha diversas figuras durante o texto para demonstrar o que é tal coisa, é quase como você estar lendo um manual.
O enredo centra-se em Kilgoure Trout e Dwayne Hoover, dois homens aparentemente de vidas distintas. O primeiro é um escritor mal sucedido, que já escreveu tantos textos e contos que nem o próprio lembra corretamente de todos, e como ninguém quer lançar seus contos a única forma que ele tem para divulgá-los é mandando para revistas pornográficas, que os utilizam seus em suas revistas apenas para “cobrir páginas”, ou seja, deixar a revista mais volumosa colocando vários conteúdos apenas para encher as páginas. Já o segundo é um homem rico, dono rede de hotéis, fast-food, revendedora de automóveis; seu único problema é que ele está aos poucos, enlouquecendo, e só precisa de um pequeno aperto no gatilho para pirar de vez, e isto acontece ao conhecer Trout, e ler alguns versos que este escreveu. Deixando Trout confuso a respeito do que ele poderia fazer a uma pessoa. O livro baseia-se e desenvolve-se no pré, durante e pós o encontro entre estas duas pessoas.
O livro desenrola-se de uma maneira quase bizarra. O narrador (que entende-se ser o próprio Kurt) se coloca dentro do texto, como se ele fosse O Criador daquele Universo, ele próprio admite que pode colocar quem ele quiser, fazer com que cada personagem faça o que ele quiser, mas ninguém nota a presença dele, ninguém desconfia –a não ser Trout-. Todos os personagens do livro se interligam de alguma maneira, mas a maioria deles não sabe nada a respeito um do outro.
Nada escapa do humor de Kurt. Ele ironiza com política, religião, sexo, morte, raça e principalmente com o “American way of life”. Segundo o próprio, existiam quadrilhões de nações no Universo, mas a nação de Hoover e Trout era a única com um hino estupidamente idiossincrático a ponto de ser salpicado com diversos pontos de interrogação. Outra crítica interessante de Kurt são a respeito das placas publicitárias (sendo até o nome do livro uma referência é uma frase publicitária de uma empresa de cereais americanas), Kurt ironiza com as frases que as empresas usam para divulgar seu produto mostrando como estas não fazem sentido algum ou fazem sentido demais, chegando até a serem trágicas. A forma cínica com a qual ele aborda a loucura, os segredos de cada pessoa, a hipocrisia, a dor, a morte e o passado (e futuro), é genial.
Para quem gosta de humor sarcástico, negro e completamente fora do moralismo, recomendo a leitura. É difícil não se submeter no mundo criado por Kurt Vonnegut.
Deixo aqui, um trecho, na realidade, um trecho que eu considero extremamente genial. Então peço, de verdade, para que leiam, pois ele te dá uma noção da dimensão e estilo da crítica e sarcasmos presentes neste livro.
“E aí, segundo Trout, estava o motivo pelo qual os seres humanos não conseguiam rejeitar ideias ruins: As ideias na Terra eram sinais de amizade ou inimizade. O conteúdo delas não tinham importância. Amigos concordavam com amigos com o objetivo de expressar amizade, inimigos descordavam de inimigos com o objetivo de expressar inimizade.Por centenas de milhares de anos, as ideais dos terráqueos não tiveram importância, uma vez que eles não podiam mesmo fazer muita coisa a respeito delas. As ideias podiam ser tanto sinais quanto qualquer outra coisa. Eles tinham até mesmo um ditado sobre a futilidade das ideias: ‘Se sonhos fossem cavalos, os mendigos seriam todos cavaleiros’.E então os terráqueos descobriram as ferramentas. De repente, concordar com amigos podia ser uma forma de suicídio ou coisa pior. Mas as concordâncias prosseguiram, não em nome do senso comum, da decência, ou da autopreservação, mas da amizade.Os terráqueos seguiram sendo amistosos, quando na verdade deveriam estar pensando. E mesmo quando criaram computadores para pensar um pouco por eles, projetaram-nos não tanto para a sabedoria quanto para a amizade. Assim, estavam condenados. Mendigos homicidas eram cavaleiros.”
That's all folks.
Vejo vocês por aí.
Indicação de Luiz A. Jr.
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