Aproximadamente quarenta e cinco minutos depois que eu havia me acomodado na cama para ler, eu terminei a última linha e fechei Festa no Covil. Alguma coisa também ficou fechada na minha garganta por um tempo. Juan Pablo Villalobos estréia no romance com o pequeno Festa no Covil e suas humildes 82 páginas. Não pense você que elas são rasas, incompletas, insuficientes ou qualquer outra coisa nesse sentido; na verdade, você leva 82 bofetadas seguidas e ainda algumas a mais nos momentos posteriores de reflexão.
Festa no Covil é narrado em primeira pessoa pelo pequeno Tochtli, príncipe herdeiro do rei do narcotráfico no México. A primeira e imediata sensação é a de estar ouvindo a história da boca de uma criança, algo que Villalobos trabalha perfeitamente ao extremo do extremo. Não há deslizes nisso, não há vozes adultas narrando a história. Pois bem. Tochtli mora em uma fortaleza no meio do nada, com o rei, Yolcault (que, aliás, o garoto está proibido de chamar de pai). O rei pode tudo e lhe dá tudo, mas nem os chapéus, nem as histórias e nem os filmes podem disfarçar a profunda solidão em Tochtli vive naquela fortaleza trancada.
O menino cresce em um ambiente totalmente ambíguo. Por um lado, Yolcault não quer que o filho veja violência em alguns filmes e tem escrúpulos com as notícias do jornal, mas por outro, joga com ele o jogo de ‘quantas balas são necessárias para alguém virar cadáver’ e o ensina a ser macho e não perdoar os ”maricas traidores”. Tochtli tem noção de que orifícios são a maneira mais eficiente de matar pessoas, mas é inocente ao ponto de achar que um chapéu de detetive lhe dá poderes de descobrir o que há nos quartos “vazios e trancados”. Nós somos assaltados pela violência diária do cotidiano do garoto, bem como pelo tesouro de sua infância – uma construção que Villalobos narra sensacionalmente, uma construção “sinistra e doce como uma caveira de açúcar”.
Segue um trecho maior que de costume, mas acho que as palavras de Tochtli são as mais apropriadas pra falar dele próprio:
“Martin Luther King Taylor foi até as jaulas armado com seu rifle. Foi primeiro até a jaula da direita e colocou a arma no coração de Luís XVI. O barulho do tiro ficou ecoando nas paredes do depósito com os gemidos horríveis do hipopótamo anão da Libéria. Mas quem chorava era Maria Antonieta da Áustria, que tinha se assustado com o barulho. Luís XVI já estava morto. Minhas pernas ficaram bambas. Esperamos até Maria Antonieta parar de gemer e Martin Luther King Taylor fez o mesmo com ela. Só que ela não morreu com um tiro só. Ela não parava quieta e os tiros não acertavam o coração. Ela só parou com o quarto tiro. Aí parece que deixei de ser macho e comecei a chorar feito um maricas. Também fiz xixi nas calças. Eu gritava tanto como se fosse um hipopótamo anão da Libéria querendo que quem me escutasse preferisse morrer pra não ter que me escutar. Eu tinha vontade de levar oito tiros na próstata pra virar cadáver. Também queria que todo o mundo fosse à extinção. Franklin Goméz veio me abraçar, mas Winston López gritou pra ele me deixar em paz.Quando me acalmei, senti uma coisa muito estranha no peito. Era quente e não doía, mas me fazia pensar que eu era a pessoa mais patética do universo.”
Indicação da Amanda.
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