domingo, 12 de janeiro de 2014

O Ganhador - Ignácio de Loyola Brandão


Não escrevo nada há meses – nem para a Posso, que ainda ensaia seu retorno completo nos nossos bastidores – nem pra qualquer outro objetivo.  A única coisa que escrevia nos últimos seis meses da minha vida eram as redações do vestibular da UFPR (no qual eu acabei de passar de novo, YEY) e você que sabe, sabe que isso não é escrever. De modo que, embora esperado por mim, que adoro escrever, esse retorno vai sair um pouco capenga e com as arestas mal aparadas (tem hífen?), porque estou fora de forma. Amigo leitor, seja condescende.
O livro do retorno é O Ganhador, de ninguém menos que Ignácio de Loyola Brandão, meu escritor brasileiro favorito e segundo no ranking mundial HUE. Costumo ler Loyola muito devagar, tanto porque não quero acabar o livro logo quanto porque, na verdade, é impossível avançar mais que algumas páginas sem dar uma respirada, uma volta, sem meditar sobre aquilo que acabei de ler.
A imensa maioria da obra do autor é de capítulos curtos, desconexos entre si e que só tecem uma história numa visão ampla, afastada – como uma colcha de retalhos. Esses capítulos, por não conduzirem necessariamente o fio de uma história, são pequenos contos ou crônicas, quase sempre loucos, surreais, impactantes. Os livros de Loyola são densos – não no sentido descritivo ou narrativo, mas sim, densos de pura variação de pensamento e possibilidades.
Em O Ganhador, não é diferente. Max é o Ganhador do título, um cantor e compositor de um braço só que atravessa o Brasil de ponta a ponta, sempre tocando em festivais com seu violão adaptado e em busca do sucesso que ele sabe que jamais virá (e que ele nem deseja, na verdade).
O Ganhador roda o Brasil quase fantástico de Loyola, vivendo histórias que são, na verdade, microcosmos brasileiros, contados pela genial habilidade do autor de transformar o louco e surreal em fatos narrados com tanta trivialidade como se fossem notícias de jornal.
Um exemplo disso é Candelária, uma ex-colega de faculdade do Ganhador que foi parar em uma cidadezinha do interior, fugida do marido, e ao chegar, enfrenta uma chuva de blocos de gelo que contém peixes de uma espécie desconhecida. O povo da cidade acredita que Candelária foi quem trouxe a chuva de peixes e ela logo vira santa popular, fundando uma nova religião na pequena cidade, ajudada por prefeitos e vereadores que enxergam na história da “santinha” como uma oportunidade política.
Como foi escrito durante a ditadura militar, o livro também carrega indicações daquele cosmo. O exemplo disso é um outro amigo de Max, o personagem Olavo, que vendia vagas em universidades federais Brasil afora porque “lambia as botas do militar certo”.
A própria imagem do Ganhador discute a noção de moral, família e bons costumes que permeava aquela época. Um homem, sem endereço nem família, que atravessa o país de festival em festival tocando violão com um braço, que teria tudo para ser o mais caricato dos personagens, ganha jeito de afronta ao governo militar e escancara suas falhas.
É importante notar que essa característica de “colagem” dos livros de Loyola abre espaço para milhares de diferentes interpretações sobre a história, muito embora O Ganhador em particular tenha uma história mais fechada. Por isso, a leitura de cada um levantará novas questões e conclusões que podem não ter absolutamente nada a ver com o que proponho nessa indicação – o que torna Loyola um dos caras mais geniais vivos sobre a Terra.
Segue trecho:
“Orelhões quebrados dão ligações quebradas
[...]
Discou outra vez:
-Queria falar com a Candelária.
-Candelária? Por decerto o senhor se refere à Ministra Reverenda?
-Olha, que esse negócio já me encheu o saco. Já liguei uma vez, não me atendeu. Diga que é o Max, o Máxi.
-Não vejo seu nome na relação de pessoas que ela vai atender hoje.
-Ela nunca precisou marcar hora pra mim.
-É o que todos dizem. Quer marcar consulta?
-Que consulta, que nada! Quero falar com ela mesma.
-Impossível, sem marcar. Por que não marca?
-É o fim da picada! Me chama alguém aí.
-Fale comigo. Não fique nervoso. Que graça o senhor necessita?
-A graça da puta que o pariu, suas filhas de uma puta! Vou até aí um dia e quebro a cara de todas.
-Que Jesus o abençoe, traga a paz a suas águas interiores, o proteja. Paz, muita paz, e fraternidade, parceiro!
-Paz é porra do caralho!”

Quero deixar um parabéns pra Editora Global, por essa capa horrenda.

Indicação da Amanda Barros.

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