quinta-feira, 18 de abril de 2013

O Mez da Grippe, de Valêncio Xavier -- Fundação Cultural Casa Romário Martins, 1981; Companhia das Letras, 1998


“Muita gente ficou com o juízo abalado. Por causa da febre forte dias e dias.”

Ouvimos falar em poesia concreta já nos tempos de colégio. A vanguarda que queria explorar todos os espaços da folha e usar da imagem com tanta propriedade quanto as palavras. Até aí tudo bem. Susse. O que não é muito comum de se ouvir é sobre prosa concreta...

Utilizando imagens por todo o decorrer do livro, Valêncio Xavier constrói uma narrativa sobre os tempestuosos dias de epidemia de gripe espanhola em Curitiba, entre outubro e dezembro de 1918. Por vezes colocando fotos da época nas páginas e noutras gravuras de pessoas que representam os cidadãos. Na maioria das vezes, porém, ele usa manchetes e trechos de reportagens jornalísticas para nos contar o que era dito à população em meio àquele desespero. Um dos primeiros recortes, inclusive, é uma matéria em branco, intitulada “A Influenza” e com seu desenvolvimento em branco, como crítica à censura sofrida, numa tentativa do governo de abafar o caso e evitar a preocupação do povo.

O livro começa com uma nota do Sr. Dr. Trajano Reis, diretor do Serviço Sanitário, nos contando como teria chegado a influenza por essas bandas, para logo depois Valêncio Xavier usar os recortes de jornais a fim de dar as primeiras notícias dos impactos que a doença começava a causar. Intercalados com as chamadas “fontes oficiais” estão os depoimentos de Dona Lúcia, concedidos em 1976, falando sobre os atribulados dias da gripe do ponto de vista de quem os viveu, e com a coloquialidade que não era possível ser empregada pelos jornais.

Vale lembrar que no fim de 1918, estava chegando ao fim a Primeira Guerra Mundial, portanto tratava-se de um assunto também muito tocado pelos periódicos que circulavam pela cidade de Curitiba, assim como de todo o mundo, e que não são deixados de fora.

A obra vai se desenvolvendo conforme acompanhamos as notícias e os depoimentos. Vamos percebendo o agravamento da epidemia e as tentativas da gestão pública de tranquilizar as pessoas, seja dando conselhos sobre como se prevenir da doença ou ocultando informações, como número real de óbitos causados pela doença.

Além desse recorte factual histórico, é possível notar também uma vontade de mostrar os comportamentos da época. O nacionalismo exacerbado causado pela guerra que era demonstrado nos jornais, os anúncios de creolina e xaropes, prometendo ajuda na prevenção e na cura da influenza. Assim como as notas de homens públicos como o prefeito e o diretor do serviço sanitário.

Como se tudo isso já não fosse experimental o suficiente, a gramática utilizada é a mesma da época. Várias grafias que já foram modificadas ene vezes estão ali, para nos fazer sentir mais próximos do período narrado. Fica incerto, também, o quanto é ficção e o quanto é real, já que nem todas as notícias são imagens, mas sim transcrições, algumas com data e algumas sem. Ou se Dona Lúcia é de fato um sobrevivente da época. Talvez mesmo se fosse tudo verdade, Valêncio preferisse que assim não parecesse. Um narrador poeta desconhecido volta e meia nos dá o ar da graça com alguns versos um tanto lascivos. Um trabalho de gênio.

A princípio até soa meio estranho e a leitura pode parece intrincada. Mas muito pelo contrário. A dinâmica jornalística dá gás para a leitura e a deixa correr livre. Se o leitor for de ou conhecer Curitiba ainda ganha o bônus de ver as fotos das ruas da cidade na época em que menos de 100mil pessoas habitavam a região. Enfim... é uma leitura rápida mas que cativa pelo seu ar de inovação narrativa, tanto nas linguagens que são utilizadas, quanto pela mescla de romance histórico com ficção.

Só pra dar uma ideia, mais ou menos, de como fica: http://migre.me/eakW9 e http://migre.me/eal0B (poderia ser melhor, mas em qualidade boa não há tanta coisa na internet) e mais alguns trechos:

“Varias

Phenomeno unico na vida coritibana accentuando o contraste de somente em epoca de epidemia ás portas do Estado e quando se pretende espalhar pânico isto se dar: há trez dias que não é registrado um só óbito numa população de 80 mil almas.

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Hotem, na rua Marechal Deodoro, no trecho entre as ruas Primeiro de Maio e Floriano Peixoto, estava sendo descoberta, com grande perigo para a saúde publica, uma parte da rede de exgottos, pondo ao sol um lodo podre e capaz de infeccionar o ambiente.”

“Quando de fadiga não puderam os coveiros abrir sepulturas, mandei gratificar a outros indivíduos para que as fizessem, de modo a evitar a decomposição dos cadáveres.

Relatório do Se. Dr. Trajano Reis, director do Serviço Sanitário”

Indicação do Guilherme
[parangaricutirimírruaro]

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