“num buraco no chão vivia um Hobbit”
Admito, nunca fui um grande fã de fantasia, mas existem coisas algumas do tipo que gosto. O Hobbit pode ser incluído nesta lista. Escrito pelo genial Tolkien.
Tolkien nasceu na África do Sul, mas logo quando criança foi para a Inglaterra e naturalizou-se britânico. Era professor universitário, e lecionava em Oxford. Era amigo íntimo de C. S Lewis (Crônicas de Nárnia), e inclusive frequentavam o mesmo clube literário. Durante a Primeira Guerra Mundial, no acampamento, começou a escrever aquele que seria uma de suas maiores obras.
O Hobbit é o primeiro livro da saga que viria a se tornar depois O Senhor Dos Anéis. Em Hobbit, somos apresentados a Bilbo Bolseiro, o hobbit. Hobbit’s são seres pacatos, pequenos, de pés peludos, não possuem quase nenhum poder mágico, são e extremamente hospitaleiros. Vivem em casas estilo tocas, na região do Condado. Basicamente a única coisa que se preocupam o dia inteiro é em fumar e tomar chá, não são adeptos de grandes emoções ou aventuras. Na realidade, são bem caseiros.
Bilbo é neto do “velho Tük”, que era o chefe dos hobbits que viviam do outro lado da Àgua (rio que passava ao lado da Colina). Alguns diziam que o velho Tuk havia se casado com uma fada, e por isso, havia no clã Tuk algo não muito típico dos Hobbits: um espírito para aventuras.
Em um dia normal, Bilbo é surpreendido em sua casa com a visita de Gandalf, um mago que é descrito no livro de forma extremamente suspeita. Ninguém sabe quem realmente é Gandalf, mas todos apenas ouviram histórias sobre ele. Onde quer que ele fosse, histórias de aventura brotavam por todos os lados. Gandalf diz à Bilbo que procura alguém para uma aventura, mas logo Bilbo, como um típico hobbit, lança um discurso de como aventuras são desagradáveis e desconfortáveis. O mago se apresenta à Bilbo como um grande amigo do Velho Tuk, e então Bilbo lembra-se das histórias que seu avô costumava contar a respeito de Gandalf, e assim o convida para um chá no dia seguinte.
Bilbo prepara a sua casa para receber Gandalf, e logo é surpreendido com uma batida em sua porta. Acredita: “É Gandalf”, mas ao abrir a porta se surpreende com a visita de um anão de barba azul enfiada em um cinto de ouro, e olhos muito brilhantes. Assim que Bilbo abre a porta o anão entra em sua casa, pendura seu capuz em um cabide e se apresenta a Bilbo como Dwalin. Bilbo, como todos os hobbits extremamente hospitaleiros, oferece chá ao anão. Logo após este evento, repete-se a batida na porta de Bilbo, e agora certo de que era Gandalf, estremece ao perceber que é mais um anão, e novamente este entra sem ao menos ser convidado. Bilbo, o oferece chá. E assim este mesmo processo se repete, por treze vezes, por fim, chega Gandalf, acompanhado de o anão Thorin Escudo de Carvalho, juntando-se à eles para o chá.
Gandalf e os anões começam a explicar para Bilbo sobre o que se trata a visita deles ali: Thorin Escudo de Carvalho, o Anão chefe e herdeiro do trono da Montanha Solitária, organizou uma expedição (e procurou Gandalf para o ajudar) para recuperar a montanha do dragrão Smaug, que havia no passado atacado os Reinos dos Anões Sob a Montanha (que no caso seria a Motanha Solitária), e destruiu toda a comunidade dos anões, além de ter roubado para si todo o ouro que pertencia a eles. Aparentemente, o dragão não tem absolutamente nada para fazer com o ouro, mas por pura ganância, o quer por perto. Assim, Gandalf diz ao hobbit que gostaria de contar com a sua colaboração na expedição, porque precisa de um “ladrão” (alguém hábil e ágil para roubar o ouro enquanto o dragão se distrai). Bilbo, de inicio, como um típico hobbit que despreza aventuras, hesita, mas logo após insistência de Galdalf, o seu espírito Tuk sobressai, e Bilbo aceita embarcar com ele e os anões para A Montanha Solitária. E é nisto que a história de Tolkien se desenrola, de uma magia fantástica. A expedição de Bilbo para A Montanha não é apenas uma viagem, mas relaciona diversos aspectos exteriores. É extremamente envolvente, e te faz, de fato, alguns momentos achar toda aquela fantasia, a coisa mais sensata, de modo que você simplesmente sente-se dentro do livro, adquirindo um dos personagens. Seria a nossa realidade algo tão monótomo?
Em momentos, somos induzidos à traços cômicos, pensamentos de “pobre Bilbo”. A história é descrita de forma fácil, com os cenários de forma minuciosa, o que faz-te prender ainda mais ao livro. Em Hobbit somos induzidos ao universo fantástico de Tolkien, cheio de Orcs, Wargs, Elfos, Aranhas enormes e de Bilbo, um hobbit que tem absolutamente tudo em sua toca, mas que escondia o seu anseio por uma aventura.
Para quem gostou do filme O Senhor Dos Anéis, eu recomendo muito o livro, até porque, neste livro é explicado a origem do anel. Mas não quero dizer muito sobre o desenvolver do livro por aqui, prefiro deixar para vocês.
Deixo aqui, como sempre, um pequeno trecho:
"- Onde você foi, se me permite perguntar? - disse Thorin a Gandalf enquanto os dois cavalgavam.- Fui olhar à frente - disse ele.- E o que o trouxe de volta bem na hora?- O olhar para trás - disse ele.- Exatamente! - disse Thorin. - Mas você poderia ser mais claro?- Eu avancei para espionar a estrada. Logo ela ficará perigosa e difícil. E também eu estava preocupado em reabastecer nosso pequeno estoque de provisões. Não tinha ido muito longe, porém, quando encontrei alguns amigos de Valfenda.- Onde fica isso? - perguntou Bilbo.- Não interrompa! - disse Gandalf. (...)"
That's all folks.
Até semana que vem
Indicado por Luiz A. Jr.
Sir Arthur Conan Doyle foi um médico oftalmologista nascido em Edimburgo, na Escócia em 1859. Atende também pela alcunha de “criador do maior personagem da literatura policial de todos os tempos”, ou se vocês preferirem, criador de Sherlock Holmes, famoso detetive da 221B Baker Street. Holmes é um dos personagens mais fascinantes que eu já li – ainda não li toda a obra de Doyle – e o coloco nessa categoria por ser uma personalidade absolutamente incompreensível e compreensível ao mesmo tempo. Sherlock é o próprio mistério – mistério clichê, eu sei – e é justamente isso que o faz fascinante: é um clichê incansável.
Doyle trabalha com uma estrutura mais ou menos definida em cada história (a primeira publicada foi Um Estudo em Vermelho, datada de 1887), entretanto, tem brilhante capacidade de escrever com a mesma estrutura uma história que (não há outra expressão pra definir) te faz ficar grudado violentamente com os olhos a dois centímetros do livro. Não se engane com todos os autores com thrillers viciantes vindos depois; todos bebem na fonte de do criador de Holmes – detetive que NÃO, infelizmente não existiu.
Holmes é um detetive um tanto arrogante, frio, com incríveis (quase inacreditáveis) habilidades de raciocínio lógico e dedutivo. Toca o violino razoavelmente bem, gosta de boxe, cachimbos e não é dado a sentimentalismos. Foi retratado em diversos filmes e peças de teatro, cada qual captando uma parte de sua essência (só O Cão dos Baskerville tem 24 adaptações). Aparece em quatro romances e em mais de cinquenta contos. Seus palpites são, às vezes, irritantemente certos para o leitor e os personagens; e aí, não se pode deixar de dizer: Holmes pode ser um personagem frio e talvez arrogante, mas é absolutamente envolvente.
As histórias do detetive são narradas em primeira pessoa pelo Dr. Watson, fiel escudeiro de Holmes e de personalidade carismática e afetiva, sempre às tontas com o acelerado raciocínio de Holmes. Eu diria que Watson é um personagem inocente, doce; os dois equilibram muito bem as suas personalidades em pontas opostas, outro dos inúmeros atrativos da obra do Sir.
A obra que indico – Cão dos Baskerville – é a minha favorita entre os romances. Eu a li com doze, talvez treze anos, e o enredo ficou profundamente marcado na minha biblioteca cerebral pela qualidade de Doyle, que se confirmou quando li outras obras, de trabalhar as voltas de um suspense de modo a não deixá-lo cansativo quando segura a resolução do mistério para as malditas-últimas-derradeiras-páginas.
The Hound of the Baskerville conta a história da família Baskerville, atormentada por uma maldição que vem de um de seus membros mais infames: Hugo Baskerville. Hugo, quando no auge da família, era o jovem senhor do Solar dos Baskerville, promíscuo, beberrão, cruel – “e não se pode negar que ele era um homem mui violento, profano e ímpio”. Ele acorda uma bela manhã desejando a bela filha de um fazendeiro radicado em terras próximas as de sua propriedade. Com cinco ou seis amigos, rapta a donzela, prende-a em casa e comemora o sucesso com uma bebedeira, que Hugo encerraria na intenção de possuí-la. A assustada jovem foge, lançando Baskerville em seu encalço com uma matilha de cães e a sua sensacional égua negra (tenho paixão pela descrição da égua desde que consigo me lembrar), jurando a todos que entregaria sua alma aos poderes do mal se conseguisse trazer a moça de volta.
Hugo desaparece na noite e seus amigos vão encontrá-lo morto ao lado da jovem donzela, com as gargantas dilaceradas. Completando a cena épica, está um “calado cão dos infernos que oxalá nunca venha atrás de mim”. Da mandíbula do cão escorre sangue, seus olhos são vermelhos como um fogo demoníaco.
Todos os membros que um dia habitaram o Solar dos Baskerville são mortos em circunstâncias curiosas, muito semelhantes às da lenda do cão dos infernos. A regra não tem exceção para o último habitante do Solar, Sir Charles Baskerville, que é encontrado morto em uma cena com patas gigantes de cão marcadas na lama da parte de trás da casa.
O último herdeiro da família, Henry Baskerville, é um jovem baronete prático que não acredita que seus familiares são mortos por entidades sobrenaturais. É então que Holmes é procurado – e o mistério resolvido. Aliás, brilhantemente resolvido. Marcado pelos seus giros e nuances de tirar o fôlego, recomendo não só Cão dos Baskerville, bem como toda a obra.
“Como se em resposta às suas palavras, surgiu de repente das imensas trevas da charneca aquele som estranho que eu já escutara nas margens do grande atoleiro Grimpen. Vinha com o vento pelo silêncio da noite, um resmungo longo e grave, depois um uivo crescente e por fim um gemido triste que morria na distância. Ecoou mais de uma vez, todo o ar palpitando com o som estridente, selvagem e ameaçador. O baronete agarrou a minha manga, e sua face tremeluzia branca no meio da escuridão
-Meu Deus, o que é isso, Watson?
-Não sei. É o som que eles têm na charneca. Já o escutei mais de uma vez.O som morreu ao longe, e um silêncio absoluto caiu sobre nós. Forçamos nossos ouvidos, mas não se escutava som nenhum.-Watson – disse o baronete – era o uivo de um cão.”
Seeya.
Indicação da Amanda
Darcy Ribeiro foi um grande antropólogo que escreveu variados livros nessa área de antropologia social, além de cinco romances (essa coisa comprida e deliciosa de ler, que a gente vem indicando nessa página desde o seu início). Dentre eles está Maíra, o qual o próprio autor se refere como o seu favorito. Como não li os demais romances do autor, não posso dizer que partilho da mesma opinião, mas devo dizer que Maíra é um livro delicioso.
O romance é a união de três histórias que se complementam; Darcy Ribeiro é muito feliz na construção dessa história, que vai e vem e não segue uma ordem cronológica. Para marcar bem as mudanças de qual parte da história o autor está falando, Darcy muda a linguagem, primeiro começa em 3º Pessoa, depois vai para a 1ª e assim por diante. De início somos apresentados a uma morta, que estava grávida de dois gêmeos. Depois, a morte de Anaçã, o chefe da tribo dos Mairuns, e por fim conhecemos Isaías, um pseudopadre que está em dúvida sobre sua vocação e precisa lidar com fato de ser um Mairum e de ser o escolhido para assumir o lugar deixado por Anacã.
Darcy constrói uma narrativa que aos poucos seduz o leitor. A morta do primeiro capitulo, na verdade se trata de Alma, que é apresentada nos capítulos seguintes e vem com Isaías até a tribo dos mairuns.
Há toda uma discussão sobre a vida, sobre quem de fato somos por todo o livro; os capítulos dedicados a vida na aldeia também são dotados de veracidade, talvez porque Darcy imprime seu conhecimento de antropologia a eles - por ora nos choca com a maneira como os índios se comportam, por ora nos faz refletir sobre o quanto eles são diferentes de nós e também como são parecidos conosco. É uma história sobre um pseudopadre, que está em dúvida sobre sua vida, sobre o que vai fazer com ela, sobre a fuga de seu destino, o questionamento de sua fé, o conflito interno por ter abandonado seu povo, por vezes discussões muito próximas da nossa realidade. Recomendadíssimo.
“Isaías dá outro pouco de atenção a ela e volta a olhar a terra lá embaixo; triste, pensativo. Alma matuta: morrer não é o pior. O pior mesmo é essa ânsia de esperar a morte. Pior ainda é esse gosto de fel na boca e essa azia no estômago. Podia morrer logo, arrebentar de uma vez. Eu, esse avião e o mundo.”
Amanda, te vejo na segunda.
Indicação do Aion.
[nos perderemos entre monstros, da nossa própria criação]
Para quem desconhece, vou escrever um pouco sobre o autor:
Charles Bukowski nasceu na Alemanha em 1920. Filho de pai americano (e militar), com mãe alemã, nos primeiros anos de vida mudou-se para Los Angeles, onde tornou-se cidadão americano.
Bukowski teve uma infância e juventude terrivelmente sofrida (e é nisto que se baseia o livro que comentarei em breve). Por ter um pai autoritário, vivia sob constante pressão familiar. Era constantemente espancado pelo seu pai por motivos extremamente fúteis (como por exemplo, quando ao cortar a grama, não a deixava em tamanho uniforme), sofria certo preconceito por ser alemão (visto que o livro se passa entre as duas guerras mundiais). Na adolescência, teve um sério problema com acnes (quando digo sério, digo REALMENTE sério), o que fez aumentar mais ainda a frustração de sua vida, sentindo-se cada vez mais afastado dos outros, e principalmente, de garotas. Por esta humilhação, chegou a se afastar da escola, pois não queria que ninguém o visse. Como ele próprio descrevera, era a real imagem de um monstro. Durante a adolescência, procurou constante abrigo no álcool, e assim, descobrindo o que mais tarde ele chamara de “uma das melhores coisas que já chegou a terra”.
Após sair de casa, ingressou na faculdade, mas fracassou, e desde então fez as sarjetas de Los Angeles o palco de sua vida (e de seus escritos). Bebendo e escrevendo alucinadamente, mandava seus poemas para os jornais de bairro, até nos anos 70 ser descoberto, e ganhar notoriedade com seu livro Cartas da Rua. Tornou-se um dos maiores escritores da América, com sua escrita extremamente simples, mas violenta e robusta, pouco ligando para regras de literatura, explorando temas do cotidiano, e de forma extremamente autobiográfica.
Em Misto Quente, Bukowski descreve usando o seu alter-ego Henry Chinaski, a história de sua infância e juventude, até os 24 anos, descrevendo com detalhes as coisas que escrevi no parágrafo anterior. Quando você começa a ler Misto Quente, a primeira concepção é que a vida de Chinaski é um completo inferno. Sofria preconceitos por todos os lados, tinha um pai completamente insano, e uma mãe ignorante, não se adequava com ninguém em sua vida social, só via apenas uma grande enfermidade crescendo e assim, cada vez mais se fechada em seu próprio mundo. “Então, é isso esse negócio que chamam de vida?”. O pensamento de Dostoiévski ecoava a cada momento pela sua cabeça:
-“Quem não quer matar seu pai? -.”
Bukowski relata através de Chinaski, toda a relação de amarguras de sua juventude e adolescência. Desde os primórdios até o momento em que finalmente decide sair de casa, para ir à faculdade. Usando uma linguagem completamente sarcástica, cheia de trocadilhos, Buk critica toda a corja da sociedade ao seu redor, e da forma mais cômica possível. Todas as lástimas de sua vida são retratas com um sabor de “Eu estou pouco lixando pra isso”. Buk aprendeu a pouco se importar, seja com a perspectiva de vida, com os indivíduos ao seu redor. Pouco se importar com um mundo onde as pessoas (principalmente mulheres) pareciam ser interessantes apenas de longe, pois quanto mais perto, mas sentia-se a náusea de vômito. O pessimismo, a negatividade, a sombra do futuro, faziam parte de seu campo magnético.
“Eu não odeio as pessoas, apenas prefiro quando elas não estão por perto”.
Misto Quente é, pra mim, o livro mais importante de Charles Bukowski, porque nele você realmente descobre quem é Bukowski. É o livro que mais recomendo para pessoas que não conhecem o escritor. Misto Quente é sem dúvidas, uma das obras mais genais que já tive o prazer de conhecer em minha vida. Que fique claro, não é algo que agrada a todos. Talvez, na verdade, agrade a poucos. São poucos que podem compreender Misto Quente, entender realmente a pessoa Charles Bukowski e a sua visão do que era o mundo. Não é um livro onde você encontrará a felicidade, mas traçará a amargura. Uma coisa posso afirmar: quem não leu Misto Quente, não leu Bukowski.
Deixo aqui um pequeno trecho do livro:
“E minhas questões pessoais continuavam tão más e lamentáveis quanto no dia em que nasci. A única diferença era que agora eu podia beber de vez em quando, embora nunca o suficiente. A bebida era a única coisa que impedia um homem de se sentir para sempre atordoado e inútil. Todo o resto ia furando e furando sua carne, arrancando seus pedaços. E nada tinha o menor interesse, nada. As pessoas eram limitadas e cuidadosas,todas iguais. E eu teria que viver com esses fodidos pelo resto da minha vida, pensei. Deus, todos eles tinham cus e órgãos sexuais e bocas e sovacos. Cagavam e tagarelavam, e todos eram tão inertes quanto estérco de cavalo. As garotas pareciam legais a certa distância, o sol resplandecendo em seus vestidos, em seus cabelos. Mas vá se aproximar e ouvir seus pensamentos escorrendo boca afora, você vai sentir vontade de cavar um buraco ao sopé de uma colina e se entrincheirar com uma metralhadora. Eu certamente nunca conseguiria ser feliz, me casar, nunca teria filhos. Inferno, eu nem mesmo conseguia um emprego como lavador de prato. Talvez eu pudesse me tornar ladrão de banco. Alguma coisa bem fodida. Alguma coisa flamejante, fogosa. Só se vive uma vez. Por que ser um limpador de vidraças?”
That’s all folks.
Volto a escrever na semana que vem.
Indicação de Luiz A. Jr.
1984 é uma indicação que particularmente eu tenho um tanto de receio de fazer, assim tão de supetão. George Orwell é definitivamente meu autor favorito e eu ficaria imensamente triste se eu não conseguisse passar o quão excelente é a sua obra e nem o quão complexa. Embora seja injusto não mencionar seus outros clássicos como Keep the Aspidistra Flying e Animal Farm, não é por outra razão que não Nineteen-Eighty-Four que Orwell (pseudônimo para Eric Arthur Blair) sagra-se como o rei do futuro distópico.
A obra, que influenciou todos (e digo sem medo de errar) os clássicos distópicos vindos depois, faz parte juntamente com Admirável Mundo novo, de Huxley, e Laranja Mecânica, de Burgess, da tríade do futuro sem esperança, de sociedades corrompidas, distorcidas, animalescas.
Em 1984, Orwell traz à tona com tal maestria o medo do ser humano de ser corrompido, alienado, trabalhado e construído pelo sistema, que é impossível não se apaixonar logo nas primeiras páginas. A história (publicada pela primeira vez em 1949) trata de uma sociedade coorporativista e totalitarista no hipotético e longínquo ano de 1984. Winston Smith, seu protagonista, é um membro inferior do IngSoc (palavra em novilíngua para Socialismo Inglês), partido totalitarista que domina a Oceânia. Winston trabalha no Ministério da Verdade, repartição governamental que é responsável por adulterar a informação que chega aos membros do partido de acordo com o que é mais conveniente informar. Dessa forma, Winston, responsável por adulterar notícias nas quais deveria acreditar sem pensar nas consequências de seus atos, é trabalhado por George Orwell como o perfeito insatisfeito. Smith não só se incomoda com aquilo que adultera como também se incomoda que seus irmãos de partido não enxerguem a óbvia manifestação da verdade: o controle de mão de ferro do Partido. O personagem é um dos exemplos de angústia mais bem retratado da história da literatura.
Seria simples revoltar-se se não houvesse todo o drama perfeitamente construído pelo autor, o drama do controle. Cada centímetro de onde Winston vive e trabalha é vigiado e alscutado por equipamentos denominados teletelas, que ao mesmo tempo que transmitem informações partidárias que podem ter passado pelas mãos de Smith, vigiam e controlam toda e qualquer atitude suspeita dos irmãos do IngSoc. Winston está perdido então entre se incoformar e não se crer louco - e sozinho.
Não vale a pena dar mais detalhes de como a história se desenvolve - porque não julgo o enredo a parte mais importante do livro. A grande sacada de Orwell - que faz merecer o título de rei da distopia - é a criação do mundo hipotético de 1984. O autor trabalha à perfeição todos os nossos medos, colocando-os no aspecto certo do mundo da Oceânia de 1984 (Winston não tem certeza do ano - bem como não tem certeza de nada). A criação do partido, das engrenagens sociais, da repressão, dos detalhes sensacionais como Os Dois Minutos de Ódio e também da novilíngua - a ser mencionada no fim da resenha - são aspectos da genialidade de George Orwell trabalhada em Nineteen-Eighty-Four, que, embora como ano já esteja distante, nunca deixará de ser uma possibilidade de futuro a pairar sobre nossas cabeças.
A sociedade do Grande Irmão, a grande figura do partido (Big Brother, que numa interpretação mais correta seria algo como o "Irmão mais velho") é uma sociedade profundamente doente - e também o é Winston, que embora deseje liberdade não consegue e nunca conseguirá lutar contra ela. O final - daqueles que fazem faltar ar - é o retrato disso.
O livro ganhou adaptações cinematográficas, sendo a minha favorita a de 1984, que tem John Hurt no papel de Smith. É importante reservar um parágrafo para falar da novilíngua (ou novafala). Não bastasse só toda a genialidade do autor em criar o mundo distópico de 1984, ainda há espaço para um idioma nele utilizado. A novafala é simplesmente genial em sua essência: é uma língua derivada do inglês que conhecemos, mas que tem uma característica peculiar, diminuindo o número de palavras disponíveis a cada ano. Em novinlíngua, não é possível pensar e escrever frases que são contrárias à ordem do partido - pelo simples fato de que as palavras para tanto não existem. Objeto de muitos estudos linguísticos depois, a novilíngua é o diamante da coroa que 1984 e Orwell levam no mundo da literatura de ficção.
"Às vezes ele conversava com ela sobre o Departamento de Registros e as fraudes desavergonhadas que cometia em seu trabalho. Essas coisas não pareciam horrorizá-la. Ela não sentia o abismo abrir-se debaixo de seus pés ao pensar em mentiras que se tornam verdades. Ele contou a história de Jones, Aaronson e Rutherford e do momentoso pedaço de papel que um dia foi parar em suas mãos. Ela não ficou nem um pouco abalada. No início, para falar a verdade, nem entendeu direito do que ele estava falando.- Eles eram seus amigos? - perguntou.- Não, eu nem os conhecia. Eram gente do Núcleo do Partido. Além disso, muito mais velhos que eu. Eram dos velhos tempos, de antes da Revolução. Eu só os conhecia de vista, e de passagem.- Então porque tanta preocupação? As pessoas são mortas o tempo todo, não é mesmo?"
Guardo algumas linhas pra falar de edições e traduções. Eu - que já li todas - não acredito que alguma delas deixe a desejar para o original em inglês - que eu também já li. As edições mais antigas tem uma escrita um pouco mais difícil e menos fluida, que pode incomodar o leitor menos hardcore. Para esses, eu recomendo a nova edição e tradução, cuja capa é a do post.
Indicação (dupla indicação) da Amanda.
“...one flew east, one flew west,
One flew over the cuckoo’s nest”
Um Estranho no ninho
O Cuco, que é uma ave parasita, tem seu ovo parecido com os de outras espécies, o que faz com que, depois que sua mãe o bota, em um ninho de outro espécie, o filhote seja assistido por uma mãe adotiva. O Cuco nasce já como um estranho no ninho e vem daí a explicação para a tradução do original em inglês “One Flew Over the Cuckoo’s nest” para “Um Estranho no Ninho”. O titulo do original faz alusão a uma popular cantiga de roda.
Mas sobre o que de fato é esse livro? Todo narrado em 1º Pessoa, “Um Estranho no Ninho” é um livro sobre Randle Patrick McMurphy, o “Cuco” do titulo, que, preso por violentar uma jovem,decide fingir que está louco, de forma de não acabar indo parar na cadeia e acaba num hospital psiquiátrico. A presença de McMurphy no hospital desestrutura o local, que é mantido com mão de ferro pela enfermeira metódica Mildred Ratched. Aos poucos o rebelde e fanfarrão McMurphy domina o local e de todas as formas começa a tentar ruir o império da chefona Ratched, que detém o respeito de todos os demais pacientes do hospital. E é aqui que entra o grande embate da história. McMurphy, entra no hospital, se infiltra entre os pacientes, e os domina, torna-se um líder daquele grupo e só tem a seu favor sua vontade indomável. É obvio que o crescimento do personagem, preocupa aquela enfermeira que quer tudo a seu modo e tem a seu favor toda a força do hospital, e a persuasão que tem com os outros médicos, sendo por vezes mais importantes que eles. Isso pode ser colocado num contexto de sociedade. A enfermeira, que é o órgão superior de alguma sociedade, "o sistema". Quem vai contra ele (McMurphy) vai encontrar todos os tipos de obstáculos possíveis. Existe uma ordem vigente, quando alguém quebra essa ordem vigente (o diferente), das duas uma: ou ele será seguido como exemplo, ou será taxado de maluco, e é aqui que o livro faz toda a sua critica a uma sociedade como a nossa que a cada mais rejeita o diferente.
A grande sacada do autor Ken Kesey, é a maneira que ele conta essa história, O “Chefe” é o testemunho da chegada de McMurphy ao hospital, e é o Chefe, um índio surdo-mudo que nos dá o seu testemunho sobre como a chegada do “Estranho” modifica a rotina do hospital.O livro é feliz em sua discussão central porque o estranho a que ele se refere não é só McMurphy, e sim todos os demais personagens do livro, incluindo o Chefe que, através do seu testemunho pessoal que faz refletir sobre nós mesmos.
"Tenho vontade de folhear um dos livros, mas tenho medo. Estou com medo de fazer qualquer coisa. Sinto-me como se estivesse flutuando no ar amarelo, empoeirado, da biblioteca, a meio caminho do fundo, a meio caminho do topo. As fileiras de livros, oscilam acima de mim, ziguezagueando loucamente, correndo em todos os ângulos diferentes, de um para outro. Uma prateleira de livros se inclina um pouco à esquerda, outra para a direita. Algumas delas se estão inclinando sobre mim, e não sei como os livros não caem. Vão subindo, subindo, até que se perdem de vista, as estantes de livros, em perigo de desmoronar, presas com ripas e pedaços de madeira, levantadas por bastões, encostadas em escadas, por todos os lados em volta de mim. Se eu tirasse um livro, Deus sabe que coisa terrível poderia acontecer."
Indicação do Aion.
[nos perderemos entre monstros, da nossa própria criação]
Pessoal, vamos começar. Minha primeira indicação vai para um vencedor do Nobel de Literatura, um alemão chamado Hermann Hesse, e o livro desta vez é Demian. Primeiramente, vamos falar do autor: Hermann Hesse nasceu em 1877 na Alemanha, em família extremamente religiosa, e inclusive estudou em seminários, mas não seguiu a carreira de pastor (o que era vontade de seus pais), abandonando a religião.Após romper com a família, fugiu para a Suíça, onde se naturalizou. Foi autor de inúmeros contos e poemas, grande parte destes (inclusive este livro) baseados na enfermidade de sua infância.
Demian foi lançado em 1919, e conta a história de um jovem de uma enorme confusão mental, perturbada pela moral, pela família e também pelo Estado. Somos apresentados a Emil Sinclair, filho criado em família extremamente religiosa, e sempre com os melhores preceitos da moral. Ainda na infância, Sinclair se vê completamente preso à um mundo em que não encontra respostas para suas indagações, e assim, começa a dividir o mundo entre o “ideal” e o “real”. O mundo chamado ideal seria o seu mundo paternal, o aconchego da casa, da família. O amor paternal. E o mundo real, seria o exterior, sombrio e desconhecido, mas altamente tentador. Conforme amadurece, o protagonista vê que infelizmente, o conceito de “mundo ideal” começa a desmoronar na sua frente, atacando-o com diversos conflitos.
Demian é pra mim um dos melhores livros existencialistas que já li. Trata de conflitos da transformação humana, sob diversos aspectos como o amor, a realidade, a tragédia. É influenciado por diversos elementos da psicanálise, e também apresenta muitas questões bíblicas, puramente existenciais, analisando e propondo diversas interpretações para a mistificação. Em 150 páginas, foi decerto um dos livros mais importantes de toda a minha vida, e que me fez de fato, reinterpretar tudo que estava ao meu redor, sejam emoções, relacionamentos, a moral. A tudo aquilo que nós, homens, estamos sempre presos.
Deixo aqui, um pequeno trecho do livro:
“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. Todos temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um — resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial — tende a próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um intertar-se.”
That’sallfolks.
Indicação do Luiz A. Jr.
Escolhido para a resenha inaugural do Posso te indicar um livro?, Meu Pé de Laranja Lima, foi escrito por José de Mauro Vasconcellos e publicado pela primeira vez em 1968. Suas singelas 190 páginas (na 99ª edição) são daquelas páginas que mais têm capacidade de construir um vínculo afetivo com o leitor. O livro, apesar de "infanto-juvenil" - e mais para frente haverá justificativa para as aspas - é um dos livros que levo da minha infância para a vida adulta e não poderia ter escolhido outro para começar as resenhas da página.
Meu Pé de Laranja Lima conta a história do menino Zezé, um garoto pobre que nos seus cinco ou seis anos começa a descobrir como interagir com a realidade. Saído da primeira fase infantil, nosso protagonista aprende com seus irmãos, pais e na escola o quão dura é a realidade, a realidade dos "dedos magros da pobreza" para um garoto levado.
Zezé é um menino encantador, embora extremamente arteiro. Seu padrinho, o Capeta, sussurra-lhe nos ouvidos esta ou aquela arte que no fundo no fundo, tem mais o chamariz da carência infantil do que mesmo a molecagem. Zezé, que não é nem o filho mais velho nem o mais novo de uma família pobre, está na história de José Mauro preso à armadilha do fim da inocência infantil e de sua limitada capacidade para a vida adulta.
Zezé descobre tudo muito cedo - e sofre as consequências da vida adulta muito cedo. O pé de laranja lima, Minguinho, que dá nome a história, é seu grande amigo (embora mais tarde ofuscado pelo amigo Portuga) e é quem o menino Zezé encontra para debater - e porque não sonhar e criar em cima de - tudo aquilo que vê.
A história é uma história infantil, é bem verdade. Entretanto, José Mauro consegue abranger todas as idades pela simples mágica de nos trazer uma visão tão doce e tão sofrida de uma infância que quase não é mais infância. Reside justamente aí, na capacidade do autor de mexer com o íntimo, com o passado e com as experiências do adulto que o lê, o brilhantismo atemporal da história - que convenhamos, pode ser a nossa própria.
"Glória perguntava pelo meu mundo de fantasias.-Eles não estão. Foram pra longe...Estava certamente me referindo a Fred Thompson e aos outros amigos.Mas ela não sabia a revolução que se realizava dentro de mim. O que eu tinha resolvido. Iria mudar de filmes. Nada mais de filmes de cowboy, nem índio nem nada. Eu de agora em diante só iria ver filme de amor, como os grandes chamavam. Filme que tivesse muito beijo, muito abraço e que todo mundo se gostasse. Já que eu só servia para apanhar, poderia pelo menos ver os outros se gostarem."
Indicação da Amanda.