Eu não gosto de poesia.
É sério, não gosto mesmo. Talvez porque eu nunca soube lê-la. Eu faço leitura dinâmica – e pra poesia, essa é a maior das desvantagens. O que eu lia (rápido demais) eu não absorvia e quando chegava na estrofe do meio já estava perdida. Dessa forma, eu sempre preferi a prosa do romance, a prosa contista e suas infinitas possibilidades passíveis de leitura dinâmica. Me julguem.
Ficou sendo um pré-requisito: se tinha espaços em branco demais dos lados da página, eu não lia. E minha vida foi prosseguindo tranquila dessa maneira até que eu passasse a notar mais um certo ator que faz parte do Porta dos Fundos, o canal de esquetes no Youtube.
O nome do ator é Gregorio Duvivier, sobre o qual eu não sabia nada. Assistindo aos vídeos como uma legítima pessoa desocupada, passei a notar devagar algumas características do humor do ator e o fantástico trabalho de atuação que eu via evidenciado em contraste com os diversos tipos de humor no coletivo.
Uma coisa puxou a outra e eu saí numa corrida desenfreada pela internet atrás do trabalho de Gregorio Duvivier. Foi então que eu descobri meu mais novo ator-favorito-de-todos-os-
Glória. Até eu ver que não era de prosa, era de poesia. Ê vida.
Resolvi arriscar tudo e mandar velhos preconceitos para o ar – afinal, 64 páginas não iam ser um sofrimento dos maiores – e foi a melhor decisão do mês.
Diferentemente de um humor rasgado, cômico, que traz fatos do cotidiano e que provoca aquele riso instantâneo do qual não é possível escapar, Duvivier traz na sua carreira uma vibe diferente: um humor agridoce e nonsense, contrastado com a tristeza e as suas infinitas possibilidades de variação e criação.
A verve bem chaplinesca (que se façam todas as reservas) do humor do cara me agarrou de jeito e não teve mais solução. “A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora” reflete nas suas 64 páginas justamente todo um humor agridoce e reflexivo, que te faz ler cada poema de novo e de novo, e depois o livro, milhares e milhares de vezes, até que você se sinta desesperado e saia numa busca insana por um exemplar pra chamar de seu.
É evidente que eu não entendo porra nenhuma de poesia. Não sei o que são sonetos nem me interesso pelo movimento [insira um nome aqui]. Foda-se. E eu acho que é justamente aí que nasceu o meu encanto por essa poesia em particular, que apesar de guardar todas as suas características técnicas e de receber influência de diferentes movimentos, também consegue se expressar numa beleza doce, de um jeito que te faz soltar aquele riso no canto da boca, de querer descer a escada e declamar o livro pra sua mãe.
Do hilário ao filosofia de vida, da melancolia ao sorriso, alguns poemas podem te fazer bem às três da manhã de uma quarta-feira mesmo quando tudo está errado. Se está tudo errado e faltam apenas os poemas, eu sugiro os de Duvivier.
E eu sinceramente queria transcrever todos, andar com o livro pendurado no pescoço, copiar e colar na carteira, na parede, na janela do ônibus. Mas eu só vou transcrever um porque estou com preguiça.
“o meio de todas as coisas
entre o fim do começo e o começodo fim toda coisa tem uma massainerte feito ponte pela qualpassamos distraídos – ou não:os astecas sentiam chegar o exatomomento do meio da vida, o momento em queo que já vivemos é exatamenteigual ao que ainda não vivemos- e nesse momento preciso o maiscomum dos astecas sentia uma súbitae inexplicável vontade de tomar um tremmas como ainda não o tinham inventadoele acabava por entristecer-se.(daí a tristeza, essa vontade de algoque ainda não inventaram)”
Indicação da Amanda
[não tenho nada pra por entre colchetes no dia de hoje]
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