quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Invasor, de Marçal Aquino -- Geração Editorial, 2002; Companhia das Letras, 2011



“Bem-vindo ao lado podre da vida.”

Vários livros viram filmes. E apesar de eu não ter falado sobre isso nas indicações em si, já indiquei dois livros que viraram. Um é o Cheiro do Ralo e o outro é Até o Dia em que o Cão Morreu. Por que falar disso agora? Porque Marçal Aquino é tanto um roteirista que escreve livros quanto um escritor que escreve roteiros. Tendo na sua lista de trabalhos, além do filme de O Invasor, os dois livros que citei que constam nas minhas indicações. Além disso, é comum que os filmes saiam depois dos livros. Aqui já temos uma exceção.

Mas primeiro vamos ao livro. Ivan e Alaor são dois engenheiros sócios numa construtora com mais um amigo dos tempos de faculdade. Por uma divergência de negócios, Ivan e Alaor decidem contratar Anísio para matar Estevão. Ao fazer contato com o assassino de aluguel, os dois demonstram-se, a princípio, intimidados. Mas o contato de Alaor que lhe indicou Anísio o deixa ter mais confiança.

O acordo é selado. Com a promessa de terem o “problema” resolvido rapidamente, Alaor convence Ivan a sair pra comemorar num puteiro, cujo o próprio Alaor é um dos donos. Ivan mal fala com a esposa há anos e tem casos extraconjugais regularmente. Confiante, Alaor se vê com o futuro pronto, cheio da grana. Entretanto, Ivan não parece mais estar de acordo com o plano. Alaor, certo que de vai dar tudo certo, disposto a tudo, precisa convencê-lo a não entregar o jogo.

A única felicidade de Ivan é uma garota que ele conhece num bar e que o faz esquecer dos problemas. De qualquer forma, o plano é concretizado. Ivan passa a conviver com a culpa do que fez. E como se não fosse suficiente, Anísio, que deveria ter sumido depois de receber o pagamento e realizar o serviço, surge na construtora para que possa trabalhar de “segurança” dos dois. Nenhum deles sabe o que fazer e são obrigados a conviver com esse invasor dentro de suas vidas. Pelo menos até que achem um jeito para se livrarem de outro fardo.

O narrador é Ivan, então temos sempre uma visão do que está acontecendo e um pensamento, apenas. A linguagem direta e com influências de romances policiais noir é a primeira coisa que chama a atenção. São os demônios de um único personagem que nos acompanham pelo livro. Ao contrário do filme que não possui qualquer tipo de narração em off. Acompanhamos a ação somente com aquela câmera onipresente no nosso papel que espectadores. Tudo ocorre com velocidade. E temas sensíveis são tratados com a dureza do mundo-cão no qual os dois quiseram se meter.

Nesse caso, não posso deixar de falar do filme.

Beto Brant (que dirigiu Cão Sem Dono, adaptação de Até o Dia em que o Cão Morreu) e Marçal são parceiros de longa data. Enquanto estava escrevendo O Invasor, Brant perguntou à Aquino sobre qual seria a próxima parceria deles. Sem pretensão de que aquilo virasse um filme, mostrou seus primeiros escritos do que viria a ser O Invasor. Beto Brant gostou e o convenceu de que deveriam escrever um roteiro. O ano era 1997.

Trabalharam no roteiro mas o filme iria sair só em 2001. Antes do lançamento, Brant convence Aquino novamente. Porém, dessa vez, a retomar o livro e terminá-lo como romance. Marçal se declara o tipo de escritor que deixa ser levado pelo livro, então quando começou não sabia onde ia dar. E o único jeito de tornar aquilo interessante pra ele, seria fazendo o livro em primeira pessoa.

Existem várias passagens do filme que não estão no livro. E vice-versa. Personagens que tem mais enfoque no filme e que não estão no livro. E vice-versa. Assim como alguns personagens que mudam de nome. Mas a história segue basicamente a mesma linha. É um livro que virou filme que virou livro de novo. Tanto que na primeira edição, o livro vem acompanhado de fotos do filme, com ficha técnica e o roteiro original utilizado. O que é muito útil pra nos dar uma noção de como são feitas as adaptações cinematográficas. Mesmo assim, os dois são muito crus e diretos no seu objetivo. Sem lenga-lenga. Afinal, não há tempo quando se está sendo invadido por todos os lados.

Vou deixar vocês com um trecho do filme e um trecho do livro:

http://www.youtube.com/watch?v=efenlo9Zc1s

“O carro de Estevão foi localizado às três horas da tarde da quinta-feita, no final de uma rua de terra no extremo sul da cidade.
Um homem viu o carro de manhã, quando passou a caminho do poço, onde os moradores do bairro se abasteciam de água. Achou estranho um carro daqueles parado próximo ao local que usavam como depósito de lixo. Mas não fez nada. Depois do almoço, o homem notou que dois garotos da redondeza rondavam o carro e calculou que eles plenejavam depená-lo. Então andou um quilômetro e meio até um orelhão e avisou a polícia.
O corpo de Estevão estava no porta-malas, com uma bala na cabeça. Embaixo dele, a polícia encontrou o cadáver de Silvana, com tiros no peito. Fazia menos de 72 horas que eu e Alaor tínhamos contratado Anísio.(...)Permaneci sentado ao lado da mesinha do telefone por um bom tempo. Sabia que nem adiantava tentar dormir, eu não ia conseguir.”

Indicação do Guilherme
[parangaricutirimírruaro]

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