quinta-feira, 6 de março de 2014

Sobre os muros da arte

por Luiz Abdala Jr.

   Recentemente, a prefeitura de Curitiba lançou a campanha “Despiche Curitiba”, da qual jovens que foram recentemente flagrados pichando os muros da cidade cumprem prestação de serviço comunitário limpando algumas fachadas. Você poder ler mais a respeito da campanha clicando aqui.
   
 Antes de iniciar meu breve texto, queria deixar claro que EU NÃO ESTOU APOIANDO A PICHAÇÃO, DESVALORIZANDO O GRAFITE OU EMITINDO QUALQUER JUÍZO QUE SEJA A RESPEITO DA ATITUDE DA PREFEITURA. Antes que algum imbecil precipitado critique o texto usando tais argumentos.

  No dia em que acontecia o “Despiche Curitiba”, a prefeitura da cidade publicou em sua página oficial do Facebook sobre a campanha. E lendo os tantos comentários que a postagem rendeu, eu percebi que a grande maioria se pautava em argumentos relativos à “Pichação é crime, vandalismo e deve ser combatida. Grafite é arte e merece ser respeitado”. Bem, o que logo me despertou a curiosidade nestes comentários é tais pessoas não conseguirem perceber que a linha entre arte e transgressão é um tanto mais tênue do que imaginam.

   Creio que não podemos esquecer que diversos movimentos artísticos atuais vieram justamente a partir da transgressão de modelos, ou como posso dizer, de uma “quebra de ordem”, se você entende. No sentido da produção de conteúdo, a arte não é imutável, pelo contrário, está em constante transformação e variação a partir do meios, estruturas e questões de sua época. Ignorar isto é ignorar todas as revoluções literárias dos últimos cem anos, por exemplo. Imagino que não seja diferente no cinema ou nas artes visuais, que são modelos artísticos que acompanho menos.

   Quando Philip Roth lançou, em 1969, “O Complexo de Portney”, por mais que a obra tenha se tornado um best-seller, o autor sofreu alguns problemas de parte da academia e dos críticos, pois segundo estes, um livro que tratava claramente assuntos como masturbação, fetichismo, pensamentos incestuosos e demais conflitos sexuais não poderia ser considerado “arte séria”. Hoje em dia Roth só é vencedor de um prêmio Pulitzer, conquistou a National Medal of Arts, a Gold Medal in Fiction, foi premiado pela Society of Americans Historians, recebeu duas vezes o National Book Award e o National Circle Award, três vezes o prêmio PEN/Faulkner e outros dois prêmios da PEN: o PEN/Nabokov e o PEN/Saul Bellow. É vencedor também do Man Booker Internacional Prize e recebeu na Casa Branca o National Humanities Medal. É o único escritor americano vivo a ter sua obra completa publicada pela Library of America.

  Bem, cuidado com os julgamentos.

  Se você entendeu onde eu quero chegar, provavelmente percebeu que o meu propósito aqui não é justificar a pichação como algum movimento artístico ou algo nesse sentido, e sim colocar em tema a questão se nós somos realmente capazes de julgar o que é arte do que não é. Ter abordado a campanha da prefeitura de Curitiba foi só um meio que encontrei pra pensar nessa questão.  E é importante também ter a consciência que não é porque algo tem o “status” de arte que aquilo precise, necessariamente, ser apreciado ou até mesmo respeitado por você. Há muita produção ruim e de pouco conteúdo nesse meio.

  Será mesmo que existem muros sólidos que definem o que é arte? E até que ponto essa definição é realmente... uma definição? Acredito que você possa ter a suas perspectivas sobre o que é arte pra você e o que não é -eu também tenho as minhas-, mas será justo universalizar isso?  O poema sobre mijo com sangue do mendigo vale menos do que o bucólico primeiro capítulo de Inocência, de Visconde de Taunay? Eu, sinceramente, não acredito que a fronteira entre a arte e a transgressão sejam tão bem delimitadas.

   Afinal, quem cuida das barreiras?

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