quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ensaio Sobre o Entendimento Humano, de Caetano Galindo -- Biblioteca Paraná, 2013


“Porque não adianta só a primeira vista.”

Sim, o nome desse livro é o mesmo daquele do Locke. E por mais que eu não seja um cara que manje dos empiristas (ou de filosofia, mesmo), não consigo acreditar que isso seja só mera coincidência. Quer dizer, que as duas obras não dialoguem em diversos níveis além daquilo que consigo perceber com meu conhecimento restrito do assunto. Enfim...

O livro consiste de vinte e quatro contos, sendo que a maioria tem uns dois ou três contos que são diretamente interligados entre si. Como? Tipo assim: um conto chama Bienal (s. Med. pat. req.) 2 e mais pra frente aparece um que se chama Bienal (s. Med. pat. req.) 1. E elas tão assim mesmo, nessa ordem. Ou uns que chamam Investigações filosóficas (1), (2) e (3). Tem ainda mais outros exemplos, mas o ponto é: há uma grande unidade nos contos desse livro. Eles não são um punhado de escritos que o autor criou ao longo dos anos e resolveu compilar. Nada está ali – naquele lugar, naquela ordem – por acaso.

Mas falando dos contos: uma das coisas Galindo consegue fazer muito bem (e faz por boa parte do livro) é dar voz direta a alguém. Muitos contos consistem em apenas uma personagem falando. Mesmo que ele não esteja falando sozinho, geralmente é só sua voz que aparece. Diversos tipos nos encontram nesse meio. Pessoas com éticas duvidosas, sinceras demais, suicidas, adúlteros, gente com dúvida da própria índole. Nisso o título escolhido vem bem a calhar.

Os que chamam Bienal que eu citei são bem interessantes: tratam-se de descrições de esculturas. Como elas devem aparecer ao público, onde devem ficar, suas proporções etc. Sempre num aspecto apenas visual. Sem entregar pro leitor qual seria o tal do significado da obra. Alguns outros são mais “convencionais”. Como um que chama O grande escritor, esse o próprio autor – e meu professor – me disse ser realmente, como suspeitei *mostraorgulho*, sobre David Foster Wallace. Aliás, a influência de DFW nesse livro é bem clara. Não é pra menos. Galindo traduziu há uns meses o Infinite Jest e é um grande leitor do cara. Mas não é uma cópia. Ele soube, sim, dar sua cara pro livro.

Alguns contos meio que me doem. Tocam em pontos sensíveis da natureza humana. Essa coisa de projetar uma imagem sua sobre o outro esperando uma reação específica do interlocutor é uma delas. Toda vez que penso nisso dá um ruim (esse sou eu, querendo me passar um cara sensível e letrado pra alguns leitores de internet – tipo isso). Mas entender o ser humano deve doer muito mesmo. Não que Caetano Galindo entenda completamente, esse livro é um ensaio, né, não?, mas mesmo assim, autoconsciência é uma coisa meio cabreira.

O livro ganhou o segundo Prêmio Paraná de Literatura na categoria conto. Imagino que os jurados tenham lido esse livro mais vezes e mais atentamente do que eu, mas, sinceramente, acho que fizeram uma ótima escolha. É a estreia de Galindo na ficção, sem deixar de lado a belíssima carreira de tradutor e professor. O livro pode ser meio difícil de achar fora das bibliotecas públicas, a princípio, por causa da tiragem baixa (e por ser meio que esse o intuito inicial do prêmio), mas não duvido que tenha uma reedição. Merece, pelo menos.

Sem mais, na íntegra, o conto de abertura do livro:

“ela

Não, aí a gente lá na loja e eu, Bem, e esse aqui?
Porque já estava difícil, e eu sozinha sem nenhuma ajuda. Desinteressado mesmo. Total.
E eu cansada de carregar o sujeito nas costas, sabe?
Aí eu, Bem, e esse aqui?
E ele, Meio demais, né...?
Cê acredita?
“Meiodemais”...!
E eu, como “meiodemais”? É exatamente o mesmo que a Vanda tem lá na casa dela e que você disse, que ele tinha dito mesmo, que quando você esteve lá na casa da Vanda, lá na Villa Paris, a Vanda minha colega de escola, um doce, fazia anos que eu não via, um amor. E ele tinha dito que era bonito. “Legal”. Lá na casa dela. Legal lá na casa dela, decerto.
E eu, Você acha a Vanda a maior perua, então...? Porque ela tem exatamente esse aí lá na casa dela...
E ele, Não sei. Sei lá. De repente aqui no mostruário eu não consegui ter noção direito.
E eu, Mas diz de uma vez, criatura, que eu já estou cansada, gostou ou não gostou. E eu até dei uma olhadinha pra moça, pra vendedora, que já tinha sacado tudo. Mulher, né? Deve ter um igualzinho em casa.
E ele me faz uma puta cara de quem ta analisando e, É...no fim aqui que ia ficar bacana, Mô.
Aí eu não guentei, né.
Ai, me poupa. Vai crescer. Seja homem.
Um pouco de autenticidade também, né. Fala sério...”

Indicação do Guilherme

[parangaricutirimírruaro]

Um comentário:

Anônimo disse...

Ele também dialoga bastante com Breves entrevistas com homens hediondos do David Foster Wallace!