Não escrevo nada há meses – nem para a Posso, que ainda
ensaia seu retorno completo nos nossos bastidores – nem pra qualquer outro
objetivo. A única coisa que escrevia nos
últimos seis meses da minha vida eram as redações do vestibular da UFPR (no qual
eu acabei de passar de novo, YEY) e você que sabe, sabe que isso não é
escrever. De modo que, embora esperado por mim, que adoro escrever, esse
retorno vai sair um pouco capenga e com as arestas mal aparadas (tem hífen?),
porque estou fora de forma. Amigo leitor, seja condescende.
O livro do retorno é O Ganhador, de ninguém menos que
Ignácio de Loyola Brandão, meu escritor brasileiro favorito e segundo no
ranking mundial HUE. Costumo ler Loyola muito devagar, tanto porque não quero
acabar o livro logo quanto porque, na verdade, é impossível avançar mais que
algumas páginas sem dar uma respirada, uma volta, sem meditar sobre aquilo que
acabei de ler.
A imensa maioria da obra do autor é de capítulos curtos,
desconexos entre si e que só tecem uma história numa visão ampla, afastada –
como uma colcha de retalhos. Esses capítulos, por não conduzirem
necessariamente o fio de uma história, são pequenos contos ou crônicas, quase
sempre loucos, surreais, impactantes. Os livros de Loyola são densos – não no
sentido descritivo ou narrativo, mas sim, densos de pura variação de pensamento
e possibilidades.
Em O Ganhador, não é diferente. Max é o Ganhador do título,
um cantor e compositor de um braço só que atravessa o Brasil de ponta a ponta,
sempre tocando em festivais com seu violão adaptado e em busca do sucesso que
ele sabe que jamais virá (e que ele nem deseja, na verdade).
O Ganhador roda o Brasil quase fantástico de Loyola, vivendo
histórias que são, na verdade, microcosmos brasileiros, contados pela genial
habilidade do autor de transformar o louco e surreal em fatos narrados com
tanta trivialidade como se fossem notícias de jornal.
Um exemplo disso é Candelária, uma ex-colega de faculdade do
Ganhador que foi parar em uma cidadezinha do interior, fugida do marido, e ao
chegar, enfrenta uma chuva de blocos de gelo que contém peixes de uma espécie
desconhecida. O povo da cidade acredita que Candelária foi quem trouxe a chuva
de peixes e ela logo vira santa popular, fundando uma nova religião na pequena
cidade, ajudada por prefeitos e vereadores que enxergam na história da “santinha”
como uma oportunidade política.
Como foi escrito durante a ditadura militar, o livro também
carrega indicações daquele cosmo. O exemplo disso é um outro amigo de Max, o
personagem Olavo, que vendia vagas em universidades federais Brasil afora
porque “lambia as botas do militar certo”.
A própria imagem do Ganhador discute a noção de moral,
família e bons costumes que permeava aquela época. Um homem, sem endereço nem
família, que atravessa o país de festival em festival tocando violão com um
braço, que teria tudo para ser o mais caricato dos personagens, ganha jeito de
afronta ao governo militar e escancara suas falhas.
É importante notar que essa característica de “colagem” dos
livros de Loyola abre espaço para milhares de diferentes interpretações sobre a
história, muito embora O Ganhador em particular tenha uma história mais
fechada. Por isso, a leitura de cada um levantará novas questões e conclusões
que podem não ter absolutamente nada a ver com o que proponho nessa indicação –
o que torna Loyola um dos caras mais geniais vivos sobre a Terra.
Segue trecho:
“Orelhões quebrados dão ligações quebradas
[...]
Discou outra vez:
-Queria falar com a Candelária.
-Candelária? Por decerto o senhor se refere à Ministra
Reverenda?
-Olha, que esse negócio já me encheu o saco. Já liguei uma
vez, não me atendeu. Diga que é o Max, o Máxi.
-Não vejo seu nome na relação de pessoas que ela vai atender
hoje.
-Ela nunca precisou marcar hora pra mim.
-É o que todos dizem. Quer marcar consulta?
-Que consulta, que nada! Quero falar com ela mesma.
-Impossível, sem marcar. Por que não marca?
-É o fim da picada! Me chama alguém aí.
-Fale comigo. Não fique nervoso. Que graça o senhor
necessita?
-A graça da puta que o pariu, suas filhas de uma puta! Vou
até aí um dia e quebro a cara de todas.
-Que Jesus o abençoe, traga a paz a suas águas interiores, o
proteja. Paz, muita paz, e fraternidade, parceiro!
-Paz é porra do caralho!”
Quero deixar um parabéns pra Editora Global, por essa capa horrenda.
Indicação da Amanda Barros.
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