domingo, 9 de março de 2014

Vinho e Literatura - Amanda Barros


Olá, senhoras e senhores. Está é a minha primeira coluna pessoal de domingo na Posso. Na verdade, era pra ser no domingo passado, mas eu falhei em escrevê-la. Não se surpreenda se o tema não for exatamente literatura – porque o objetivo dessa coluna é justamente ser um espaço livre para que cada um de nossos colaboradores fale sobre que raios quiser. Da maneira que quiser.
Hoje, eu quero falar sobre vinho.
É, vinho. Aquela bebida roxa que de repente, pra você, se chama Campo Largo ou você só bebe quando alguém paga pra você. Normal – olhar na prateleira do supermercado dá um desespero de não saber o que beber, não entender nenhum daqueles nomes que ilustram os rótulos e principalmente – principalmente – não saber a diferença entre um vinho “bom” e outro “ruim”.
Não pretendo aqui escrever um pequeno guia para iniciantes no mundo do vinho. Até porque, eu mesma não sei muita coisa – e vou aprendendo devagar e sempre. O que pretendo, na verdade, é chamar a atenção para o fato de que o vinho tem muita coisa a ver com aquilo que, tenho certeza, nós todos amamos: literatura.
Grandes autores de todas as épocas escreviam uma literatura ébria, na qual o vinho era se não o grande motivo da reflexão, um coadjuvante interessante.
Pra Fernando Pessoa, por exemplo, “boa é a vida, mas melhor é o vinho”. Bukowski diz que: “já vi mendigos demais com os olhos vidrados bebendo vinho barato debaixo da ponte” e olha só, tem um livro chamado Pedaços de um Caderno Manchado de Vinho. Se o vinho não está no tema, pode ter certeza, ele estará lá: do lado do papel, uma taça solitária.
Alguém até já fez essa análise de um jeito muito melhor do que eu (http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/2862076/a-alma-do-vinho-contos-e-poemas-com-a-mais-celebre-das-bebidas) organizando um compêndio com mais de 40 textos e autores que versam sobre o vinho (de um universo de mais de 900 possibilidades!) ilustrando não só um fascínio por uma bebida que deveria ser mais aproveitada por nós, hoje, mas também demonstrando que ebriedade e arte andam de mãos dadas (e que vá embora a culpa por isso!).
Eu adoro vinho. Primeiro porque suas infinitas variações, possibilidades e combinações constituem um desafio que nunca termina: sempre há e sempre haverá mais para conhecer. Segundo, porque o vinho se associou há muito tempo na minha cabeça com o afeto que sinto pelo cara que mais me inspira e que mais me empurra adiante nas vicissitudes da vida: o meu avô.
Gosto de vinho porque esta é uma maneira de homenageá-lo. É um ode ao velho que se senta numa poltrona com uma taça de vinho na mão – e que também me apresentou o amor pela literatura.
As duas coisas ficaram irremediavelmente ligadas na minha cabeça e – veja só – não existe quase nada mais prazeroso que isso.
Queria poder falar mais sobre vinho e sobre literatura – mas a verdade é que não entendo o suficiente de nenhum dos dois. De modo que, além de incentivar você a abrir um vinho da próxima vez que se sentar para ler um livro, deixo um poema e uma indicação – que, para dar continuidade ao meu ode, é o vinho que mais me lembra do meu avô – e que sempre me faz sorrir.

O poema é o Soneto do Vinho, de Jorge Luis Borges.

Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção dos astros, em que dia secreto
Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa

E singular idéia de inventar a alegria? Com outonos de ouro a inventaram.

 
O vinho flui rubro ao longo das gerações
Como o rio do tempo e no árduo caminho
Nos invada sua música, seu fogo e seus leões.

Na noite do júbilo ou na jornada adversa


Exalta a alegria ou mitiga o espanto
E a exaltação nova que este dia lhe canto

Outrora a cantaram o árabe e o persa.


Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história
Como se esta já fora cinza na memória.”

E a indicação é um vinho chamado Benjamin Nieto (não é mesmo um ode a uma neta e um avô?) Senetiner, Malbec da safra de 2012. Na dúvida, é esse: http://www.winetag.com.br/vinhos/vinho.cfm?vinho=37433-nieto-senetiner-benjamin-malbec-2012

Abraços!

 

quinta-feira, 6 de março de 2014

Sobre os muros da arte

por Luiz Abdala Jr.

   Recentemente, a prefeitura de Curitiba lançou a campanha “Despiche Curitiba”, da qual jovens que foram recentemente flagrados pichando os muros da cidade cumprem prestação de serviço comunitário limpando algumas fachadas. Você poder ler mais a respeito da campanha clicando aqui.
   
 Antes de iniciar meu breve texto, queria deixar claro que EU NÃO ESTOU APOIANDO A PICHAÇÃO, DESVALORIZANDO O GRAFITE OU EMITINDO QUALQUER JUÍZO QUE SEJA A RESPEITO DA ATITUDE DA PREFEITURA. Antes que algum imbecil precipitado critique o texto usando tais argumentos.

  No dia em que acontecia o “Despiche Curitiba”, a prefeitura da cidade publicou em sua página oficial do Facebook sobre a campanha. E lendo os tantos comentários que a postagem rendeu, eu percebi que a grande maioria se pautava em argumentos relativos à “Pichação é crime, vandalismo e deve ser combatida. Grafite é arte e merece ser respeitado”. Bem, o que logo me despertou a curiosidade nestes comentários é tais pessoas não conseguirem perceber que a linha entre arte e transgressão é um tanto mais tênue do que imaginam.

   Creio que não podemos esquecer que diversos movimentos artísticos atuais vieram justamente a partir da transgressão de modelos, ou como posso dizer, de uma “quebra de ordem”, se você entende. No sentido da produção de conteúdo, a arte não é imutável, pelo contrário, está em constante transformação e variação a partir do meios, estruturas e questões de sua época. Ignorar isto é ignorar todas as revoluções literárias dos últimos cem anos, por exemplo. Imagino que não seja diferente no cinema ou nas artes visuais, que são modelos artísticos que acompanho menos.

   Quando Philip Roth lançou, em 1969, “O Complexo de Portney”, por mais que a obra tenha se tornado um best-seller, o autor sofreu alguns problemas de parte da academia e dos críticos, pois segundo estes, um livro que tratava claramente assuntos como masturbação, fetichismo, pensamentos incestuosos e demais conflitos sexuais não poderia ser considerado “arte séria”. Hoje em dia Roth só é vencedor de um prêmio Pulitzer, conquistou a National Medal of Arts, a Gold Medal in Fiction, foi premiado pela Society of Americans Historians, recebeu duas vezes o National Book Award e o National Circle Award, três vezes o prêmio PEN/Faulkner e outros dois prêmios da PEN: o PEN/Nabokov e o PEN/Saul Bellow. É vencedor também do Man Booker Internacional Prize e recebeu na Casa Branca o National Humanities Medal. É o único escritor americano vivo a ter sua obra completa publicada pela Library of America.

  Bem, cuidado com os julgamentos.

  Se você entendeu onde eu quero chegar, provavelmente percebeu que o meu propósito aqui não é justificar a pichação como algum movimento artístico ou algo nesse sentido, e sim colocar em tema a questão se nós somos realmente capazes de julgar o que é arte do que não é. Ter abordado a campanha da prefeitura de Curitiba foi só um meio que encontrei pra pensar nessa questão.  E é importante também ter a consciência que não é porque algo tem o “status” de arte que aquilo precise, necessariamente, ser apreciado ou até mesmo respeitado por você. Há muita produção ruim e de pouco conteúdo nesse meio.

  Será mesmo que existem muros sólidos que definem o que é arte? E até que ponto essa definição é realmente... uma definição? Acredito que você possa ter a suas perspectivas sobre o que é arte pra você e o que não é -eu também tenho as minhas-, mas será justo universalizar isso?  O poema sobre mijo com sangue do mendigo vale menos do que o bucólico primeiro capítulo de Inocência, de Visconde de Taunay? Eu, sinceramente, não acredito que a fronteira entre a arte e a transgressão sejam tão bem delimitadas.

   Afinal, quem cuida das barreiras?